22/08/2023
Brasil

O fracasso do acordo de paz e uma Colômbia sem vencedores

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Vai-se a oportunidade, ficam as lágrimas. Com o resultado do plebiscito realizado nesse domingo (02), a Colômbia adiou o sonho de virar uma página sangrenta da história e de dar fim à guerra civil contra a maior guerrilha do continente: as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). O conflito de 52 anos, 200 mil mortos (33 vezes mais que a quantidade de assassinatos diretamente ligados a Pablo Escobar), 25 mil desaparecidos, 30 mil sequestrados e mais de 6,9 milhões de deslocados internos não se encerrará graças à vitória do NÃO, com uma margem apertada – 50,2% a 49,7%.

De orientação marxista, as FARC surgiram aproveitando a onda da Revolução Cubana e a influência do Partido Comunista Colombiano sob os camponeses. Galgou apoio com o discurso pró-reforma agrária e contrário à "influência norte-americana" no País. Para se financiar, empreendeu rapidamente no controle das rotas de narcotráfico e promoveu uma série de sequestros e assassinatos, chegando a dominar 40% do território nacional nos anos 90.

A queda, porém, veio ao longo das duas últimas décadas. Financiado pelo governo dos Estados Unidos, o exército colombiano dizimou quase 10 mil combatentes e um dos principais líderes da guerrilha, Mono Jojoy (abatido em setembro de 2010). Tudo sobre a liderança do então presidente Álvaro Uribe, cujo pai, o latifundiário Alberto Uribe, foi alegadamente assassinado pelas FARC em 1983 (os guerrilheiros negam a autoria do crime).

O governo da Colômbia nunca tinha estado tão próximo de vencer a guerra. Ao menos nesse aspecto, Uribe deixava a cadeira presidencial em 2006 aplaudido. Certo da eficácia da política de enfrentamento, o então presidente apoiou seu Ministro da Defesa Nacional, Juan Manuel Santos, na disputa pelo cargo. Santos foi peça-chave na estratégia uribista contra as FARC mas surpreendeu ao romper com o padrinho político e iniciar os diálogos de paz em rodadas de negociações realizadas desde 2012 em Havana, Cuba.

O resultado foi um texto considerado permissivo pela oposição, prevendo punições frouxas (as condenações mais pesadas, de 8 a 20 anos julgadas pela Justiça comum, só seriam impostas a quem não confessasse seus crimes enquanto a maioria cumpriria penas alternativas), repasses mensais no equivalente a cerca de R$700 a todos os guerrilheiros por dois anos para que pudessem reconstruir suas vidas e a maior polêmica de todas, a possibilidade que os até então terroristas se candidatassem a cargos públicos com reserva de assentos no Congresso.

Com histórico pessoal contrário às FARC e reconhecido como o mais austero político no combate à guerrilha, o ex-presidente Uribe investiu pesado na campanha contrária ao acordo, mas os esforços não pareciam se traduzir em números. Todas as pesquisas apontavam para uma vitória fácil do SIM, com porcentagens que giravam entre 55% e 66%.

É provável que mesmo um Uribe otimista tenha se surpreendido quando os números foram anunciados. O resultado frustrou as expectativas de quem ansiava em ver a 4ª economia latino-americana livre do banho de criminalidade e sangue.

O QUE DEU ERRADO?

No primeiro momento, fatores climáticos e portanto, imprevisíveis, podem ajudar a explicar a ausência maior que a esperada. A costa colombiana, por exemplo, ficou arrasada ao longo de todo dia por alagamentos e tempestades causadas pelo furacão Mathew, impedindo eleitores de comparecerem às urnas em um país em que o voto não é obrigatório.

Outro fator que ajuda a entender o fracasso seria a apatia de parte dos jovens colombianos com o processo, principais apoiadores do SIM nas pesquisas, mas sem memória ou experiência do terror promovido pelas FARC há 20 anos. A Colômbia registrou uma abstenção geral de 63% dos eleitores aptos a votar, cifra mais que o suficiente para mudar o resultado obtido.

Mas uma análise mais aprofundada da votação já deixa claro: digladiando uma guerra verborrágica nos meios de comunicação, Santos e Uribe extrapolaram a questão plebiscitária e fizeram das votações um termômetro também da popularidade deles próprios. Talvez por estar no Poder e, por consequência, ser mais vulnerável à exposição, Santos perde neste quesito: a taxa de aprovação de seu governo está estacionada na casa dos 20% há meses.

Na reta final, o medo somado à indignação das supostas vantagens que guerrilheiros teriam ao se renderem falou mais alto. Mais que um simples NÃO, a escolha dos colombianos nesse domingo pode colocar por terra um esforço de quatro anos naquele é considerado o maior acordo diplomático do continente nas últimas décadas.

RESTA ESPERANÇA?

Quando saíram em campanha pela aprovação do acordo de paz, Santos e os aliados fizeram questão de ressaltar: sem o apoio popular ao plano, não haveria meio-termo e as FARC retornariam à ilegalidade e à guerrilha. Se mesmo a implantação do acordo teria reflexos pelos próximos 20 anos no futuro da Colômbia, sua negativa levará a uma tarefa tão lenta e desafiadora quanto: o de mudar a forma como a própria população enxerga vencedores e perdedores no conflito.

Desautorizado pela população, Juan Manuel Santos sai derrotado do processo e vai precisar do apoio de Uribe caso almeje sentar-se novamente com a guerrilha para renegociar os termos do documento. As chances de logro são moderadas. Timochenko, por sua vez, abrandou o discurso no comunicado pós-plebiscito.

As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia lamentam profundamente que o poder destrutivo dos que semeiam o ódio e ressentimento tenha influenciado a opinião da população colombiana. Com o resultado de hoje, sabemos que o nosso desafio como um movimento político é ainda maior e mais forte e nos obriga a construir uma paz estável e duradoura. As FARC-EP mantém o seu desejo de paz e reitera a sua vontade de usar a palavra como arma de construção no futuro. Ao povo colombiano que sonha com a paz, conte conosco. A paz triunfará.

O que poderia ser o fechamento de um ciclo e o início de uma provável era próspera na Colômbia finda em um dia sem vencedores, onde só há espaço para o lamento. Perdem as FARC, com números de combatentes minguantes e cuja chance de reintegração social escapa pelos dedos. Perde a Colômbia, que atrasa a pacificação de seu povo e passa a lidar também com o crescimento da segunda maior guerrilha do país, o Exército Nacional da Libertação, mais resistente às negociações e aglutinando membros das FARC contrários à paz. E perde a humanidade, forçada a assistir diferenças ideológicas resolvidas na ponta da faca e no estouro da pólvora uma vez mais.

*Igor Patrick Silva é jornalista e cobre temas relacionados a Política, Economia e Internacional para o HuffPost Brasil

Cristina Esteche

Jornalista

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