22/08/2023

O imperdoável é que não se tente

Manifestantes de diversas modalidades foram às ruas. Isto aconteceu.   Panelaços aconteceram quando autoridades governamentais avaliavam o grito das ruas. Cenas foram registradas.  Especialistas emitiram juízo sobre o que pode estar acontecendo com enfoques diferentes, conforme o gosto do freguês.  Não dá para desconsiderar a sensação de que a Pátria está à deriva e longe de um final feliz. Tudo isto acontecendo e, confesso, não está fácil compreender com clareza o que as pessoas querem de fato (sejam aqueles que foram e aqueles que não foram à rua); o que pode ser feito e o que pode acontecer de positivo em tudo isto.

Em política é difícil inventar a roda e ser inédito. Muitos defendem a reinvenção da política, outros desejam um novo layout de Estado e Governo. Todavia, estou aqui processando, avaliando o tempo presente e, é óbvio, com muitas dúvidas. Por exemplo, o que de concreto pode ser feito para resolver o problema político em nosso País? Como sair dessa?

Está claro que o problema é muito maior que uma disputa infantil entre PT e PSDB ou um mimo do PMDB fisiologista ou ainda um enfrentamento de ‘petralhas’ e ‘coxinhas’ como dizem alguns. Há um problema com a política ou há um problema com a política estrutural?  Advogo aqui a tese de que temos chances de salvar a ‘política’ praticando uma configuração diferente.  Não podemos e não devemos ficar patinando ou ruminando mudanças de reforma política com as regras atuais e com estes atores sociais.  Disse bem Vladimir Safatle quando afirmou que do jeito que está não dá, voltando a falar em uma ‘constituinte exclusiva’, fora do parlamento convencional, para coordenar um novo processo, sem vícios, fraudes e cordões umbilicais. Se não for assim, continuaremos em disputas invencíveis  e em um estado mórbido, sem chance alguma de eficácia.

A fórmula é ideal, mas ao que parece, jamais será aceita ‘naturalmente’ por aqueles que hoje ocupam o poder. Não dá para contar com aproveitadores do sistema atual. A grande questão é que os brasileiros, em sua esperteza, dão sinais que desataram o nó que encobria ‘o calcanhar de Aquiles’ dos governantes e decifraram o segredo da esfinge. O nome da charada é “mobilização popular” e esta ação estratégica e bem articulada passa a ser o grande antibiótico para fissurar nossa enfermidade com a seguinte estratégia: “ir para as ruas para acelerar as coisas”.

Só temos uma saída e ela se chama “a obsessão por uma nova reforma política com novos protagonistas”. 

Só temos uma saída e ela se chama “a obsessão por uma nova reforma política com novos protagonistas”.  A literatura mundial traz bons exemplos.  Na Islândia, Europa nórdica, muito similar à crise que enfrentamos, a sociedade usou e abusou de manifestações populares até exigir/sensibilizar dos nobres parlamentares o aval para uma nova constituinte exclusiva, com novos constituintes. Assim, elegeram 25 novos membros, em sua maioria, médicos, engenheiros, Professores, enfermeiros e profissionais liberais que iniciaram um projeto inédito de coletar, via internet, sugestões de cidadãos comuns para uma nova constituição.  Os cientistas políticos denominaram isto de “o uso de habilidades individuais para gerar uma produção coletiva pela internet”. Lá a tecnologia foi empregada como peça chave para o incremento da democracia. É bem verdade que o projeto está empacado, pois um novo governo com características ‘centro-direita’ foi eleito com a manutenção de políticos tradicionais e a receptividade não foi a mesma. Lá, a sociedade se mobiliza para, nas próximas eleições, votar em um governo comprometido com a democracia colaborativa e retomar o projeto inicial.  Aqui, precisamos falar e fazer.  Foi Oscar Wilde quem escreveu: “só há uma coisa no mundo pior que ser falado: é não ser falado”, acrescentaria [ só há uma coisa no mundo pior que ser feito: é não ser feito].   Que nossa sociedade está em movimento, não tenho dúvida.  O ano de 2015 tende a ser “O ano que as pessoas estão em movimento”. A dúvida que carrego é: de onde estão vindo e para onde estão indo. Há tentativas de respostas, alguma refletidas, outras nem tanto. Se serve de consolo, é melhor estar em movimento que estar parado.

O desafio que se coloca aqui é pensarmos em formas alternativas, buscando experiências bem sucedidas e testar possibilidades, mesmo que esta configuração encontre adversidades. Segundo Safatle, o imperdoável é que não se tente.

 

Cristina Esteche

Jornalista

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