Os fins justificam os meios? Frank Underwood garante que sim.
Em 1513, Niccolò Machiavelli não tinha como prever que seu nome se tornaria sinônimo de perfídia. Muito menos que o livro que escreveu com único intuito de cair nas boas graças do príncipe Médici se tornaria uma ode à ambição, considerado manual absoluto dos intrincados jogos de poder: O Príncipe, escrito no século XV, continua a ser mencionado e cultuado, com diversos trechos famosos, geralmente descontextualizados, repetidos à exaustão.
Por que esse livro causa alvoroço há mais de 5 séculos?
Maquiavel [me permitindo prescindir da grafia original] nasceu em Florença, no ano 1469. Seguiu a tradição de sua família de atuar em cargos públicos e a missão mais importante de sua carreira foi passar um período como representante dos assuntos da cidade junto a César Bórgia, o regente da vez. Foi aí que ele começou a se tornar quem estava predestinado a ser: grosso modo, um bajulador – mas também um exímio analista do comportamento humano.
Com a volta dos Médici ao poder, Nicolau se viu em maus lençóis – exilado, chegou a ser preso e torturado, acusado de conspirar para o assassinato de um cardeal. Obteve anistia, mas foi obrigado a ficar recluso e toda sua produção literária data deste período.
O Príncipe é basicamente o relato opiniático de um observador perspicaz que faz suposições sobre o poder, no estilo ‘se fosse eu, faria isso’, oferecendo conselhos não solicitados e que jamais foram aproveitados pelo soberano:
“E a primeira conjectura que se faz, a respeito das qualidades de inteligência de um príncipe, repousa na observação dos homens que ele tem ao seu redor”
Como registro histórico, é o retrato de uma época complicada: ao contrário da França e da Inglaterra, a Itália não conseguia estabelecer um poder monárquico central, sendo pontuada por dezenas de cidades-Estado, geralmente em guerra entre si.
Os tempos estavam mudando rápido e Maquiavel tentava demonstrar seu valor oferecendo um leque de alternativas de como supunha ser possível manter o poder:
“É muito mais seguro ser temido que amado. Os homens hesitam menos em ofender aos que se fazem amar do que aos que se fazem temer, porque o amor é mantido por um vínculo de obrigação, o qual devido a serem os homens pérfidos é rompido sempre que lhes aprouver, ao passo que o temor que se infunde é alimentado pelo medo do castigo, que é um sentimento que não se abandona nunca.”
A ordem era vencer ou vencer, o perdedor era banido pelo inimigo – e não há pior castigo a um homem poderoso do que ser esquecido.
Ps1: Fiquei totalmente absorta na série House of Cards, sobre as tramas do congressista Frank Underwood [Kevin Spacey] e os bastidores da Casa Branca. A segunda temporada manteve roteiro e produção impecáveis, desnudando a crueza dos embates políticos – não que isso seja um privilégio dos brothers da terra do Obama.
Maquiavel curtiria isso.
Ps2: Há outro príncipe famoso na literatura: O Pequeno Príncipe, livro de Antoine Saint-Exupéry completou 71 anos. É o terceiro livro mais vendido do mundo e a história do menino de cabelos da cor dos trigais que desembarca num planeta desconhecido, se encanta por uma rosa, fica amigo de uma raposa e de um aviador perdido é inspiradora. O livro fala de sentimentos puros como companheirismo, amizade e afeto, vindo a ser considerado tão ultrapassado quanto os concursos de miss onde as candidatas costumavam citá-lo como livro de cabeceira. Não deveria soar assim – hay que endurecer pero sin perder la ternura jamás!
Volta e meia o releio para lembrar que o essencial é invisível aos olhos.