22/08/2023

´O que não for bom para a colmeia também não é bom para a abelha´

Fim das eleições e o saldo final é que a democracia verdadeira é um estorvo para o poder político e um tipo ideal a ser perseguido dia após dia.   Muita gente enganou e muita gente foi enganada.  Diferentemente dos otimistas ou cidadãos entusiastas e eufóricos com períodos eleitorais, não tenho dúvida que a eleição é sempre um momento amargo, de indigestão e de avaliação. Afinal, o que deu errado?   A sensação de ‘mais uma tentativa’ ou ‘novamente estou aqui ’ é comum entre tantos brasileiros.  Apesar da pouca perspectiva, somos levados ao dever cívico de que, apesar disto, é melhor acreditar que não acreditar. Afinal é isto que nos move.

Não existe fórmula mágica. Se vivêssemos em uma sociedade autônoma, independente, sem fraude, nem favor, a máxima a prevalecer seria: “O que não for bom para a colmeia também não é bom para a abelha”. Dito de outra forma: “Seria bom para mim, mas seria desastroso para a minha família, assim naturalmente, não posso querer”. 

Como estamos no Brasil, no Paraná e em Guarapuava, tais máximas encontram pouco eco e sustentação, pois a dependência, a fraude, o favor e o salve-se quem puder, fala mais alto.  O desejo é democrático, a realidade ainda não.  Para o pensador francês, Jacques Ranciere, autor do mais novo livro sobre filosofia política contemporânea com o título ‘O ódio à democracia’, odeia a democracia todo aquele que pretende mantê-la restrita. Estes são muitos. Que tragédia.  O engodo eleitoral é um fetiche, uma droga que tem a transcendência de um gato de sete vidas.

Avaliando rapidamente o último capítulo das eleições presidenciais temos que Marina foi liquidada por um sentimento pessoal, muito particular de alguns brasileiros que se perguntaram: o que pode ser diferente do que é será realmente melhor?  Ou ainda, se todo risco é uma viagem pelo desconhecido, porque arriscar? O fato é que é a voz da interioridade, aquele conselheiro da consciência, falou mais alto.

Não tenho dúvida que poucos eleitores votam livremente. O condicionamento, o medo de ocorrer algo, a sugestão, a publicidade, a arbitrariedade, a pressão, a chantagem, o poder econômico, o acaso e o discurso sedutor costumam vencer a livre escolha. Ser livre desde os antigos aos contemporâneos sempre significou ao mesmo tempo não estar sujeito às necessidades da vida nem ao comando de outro e também não comandar.  É uma grande verdade que precisa ser propagada. Eis uma verdade cuja hora chegou.

Em razão da impossibilidade de uma revolução política, na melhor das hipóteses, nos contentamos com brechas, remendos, atalhos e boas intenções.  De todos aqueles que colocaram o nome para a disputa presidencial, hoje está bem claro, Eduardo Jorge, o candidato médico, disparadamente, era o que tinha mais conhecimento da realidade nacional e o que tinha melhores soluções para amenizar o problema. Sabendo que seu potencial eleitoral era pequeno, passou uma boa mensagem aos candidatos competitivos, pedindo que os mesmos assumissem compromissos com seus projetos e propostas. É isto o que sobrou. Influenciar, sensibilizar e tentar convencer. Se não dá certo de um jeito, vamos tentar de outra forma, pensou ele, conquanto que se faça.

Até quando temos que suportar a máxima de que “dano causado é igual à dor a suportar”

? Aceitar isto é a morte em vida.

Sonhar não é proibido.  Tentar o diferente também não.  Se não conseguirmos um espaço próprio, diferente do que está aí, temos ao menos que mexer no tabuleiro. Não é a este discurso egoísta e particular que devemos emprestar nossa voz e nossa energia.  Temos desejo de mudar e de colocar em prática a tese de que a sociedade quer mais, logo, pode mais.

O poder político precisa de uma sociedade doente e dependente para sobreviver.  Para cuidar das incapacidades precisam reproduzi-las indefinidamente. É contra este dispositivo que precisamos nos mobilizar.

Na verdade, não devemos respeitar o sono dos que dormem. Vamos acordá-los.   Sem qualquer vinculação com a questão ideológica do passado, sabe-se que o lado esquerdo (via de regra) se encontra sempre mais fraco. Felizmente sabemos que com disciplina, estratégia e muito esforço pode-se estimular o lado fraco de nosso organismo, fazendo-o mais competitivo.  Ora, a vantagem do pé direito sobre o esquerdo é grande, mas não natural e não eterna.  Apesar disto, o pé direito precisa do pé esquerdo como alavanca ou como impulso para um grande salto. Sem impulso, sem salto.  Sem salto, sem poder.  Qual é o mérito de ter poder se o poder não é obedecido e/ou reconhecido? Nenhum.

Está na hora de juntarmos os cacos e tentar liquidar a sentença que nos sentencia. Qual?  A tese de que a política, segunda profissão mais antiga do mundo, é muito parecida com a primeira. Temos algumas chances de desligar este dispositivo e em seu lugar criar outro.  Mais que do nunca, precisamos ter um bom alvo e abandonarmos a ideia de ser um apêndice ou uma coisa qualquer, para propormos algo decisivo e transparente, algo em torno de ‘esta casa é todos’.

Sigamos em frente.

 

 

 

 

Cristina Esteche

Jornalista

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