22/08/2023
Brasil

O que o caso de Janaúba nos lembra sobre o luto infantil

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Por Ana Beatriz Rosa para o HuffPost Brasil

Janaúba – Pedro Lucas Dias tem apenas dois anos e cinco meses de idade. O pequeno ainda está aprendendo a falar, mas, entre as poucas palavras que conhece, existe uma que ganhou um significado assustador: fogo. "Ele fica falando que não quer ir para a escola, porque lá tem fogo", conta Amanda Carolina Dias, mãe do garoto, em entrevista ao Estadão.

Pedro foi um dos sobreviventes da tragédia de Janaúba, no interior de Minas Gerais. O segurança do Centro Municipal de Educação Infantil Gente Inocente ateou fogo em alunos e em si mesmo no último dia 5 de outubro. No momento da tragédia, 75 crianças e 17 funcionários estavam no local. Ao todo, o ataque deixou 11 vítimas: nove crianças, a professora Helley Batista e o próprio vigia.

As crianças que vivenciaram a tragédia, como Pedro, ainda estão em recuperação física e psíquica. De acordo com a mãe do pequeno, ele conta que viu uma das coleguinhas com os braços pegando fogo e desde então não consegue esquecer a cena.

Para Iolete Ribeiro da Silva, representante do Conselho Federal de Psicologia, "elaborar o sofrimento" é parte fundamental do processo de luto, tanto para crianças quanto para adultos. "A gente não deve obrigar as crianças a falarem sobre isso, mas na medida em que elas trazem o assunto, é preciso acolhê-las e ajudá-las a elaborar esse sofrimento que vivenciaram".

"A reação imediata das pessoas é não querer falar sobre um assunto que causa sofrimento. Elas preferem deixar o assunto passar. A gente não deve obrigar as crianças a falarem sobre isso, mas na medida em que elas trazem o assunto, é preciso acolhê-las e ajudá-las a elaborar esse sofrimento que vivenciaram", explica. "Com o tempo elas vão atribuindo o significado à essas experiências e podem lembrar dos bons momentos, das coisas boas que elas viveram ali naquele espaço e com aquelas pessoas", completa em entrevista ao HuffPost Brasil.

Para Silva, em momentos como esse é importante que pais e familiares estejam presentes e juntos à essas crianças, no sentido de ouvir e de se ajudarem mutuamente. A psicóloga, ainda, chama atenção para a importância dos adultos demonstrarem "humanidade" após eventos traumáticos.

"É importante em alguma medida que os pais que sofreram, que viveram isso, pensem sobre o ocorrido e elaborem esse sentimento. É importante que os adultos demonstrem que eles sofrem, que eles também tem fragilidades. Isso ajuda na formação da criança. O adulto tem que se mostrar humano", explica a profissional.

Caso esse nível de sofrimento seja tão grande que não consiga ser elaborado junto à criança, a psicóloga recomenda a busca por ajuda profissional, em outro espaço, para que os pais e familiares estejam preparados para serem "mediadores de seus sofrimentos."

Falar sobre o assunto é deixar fluir os medos, os anseios, as raivas, as emoções que são naturais de um vivência dessa natureza.

"Quando algo acontece que vai além da sua capacidade de controle, você fica com a sensação de desamparo. Isso é muito ruim para a sua saúde. A sensação de segurança é muito importante para a nossa saúde mental. Falar sobre o assunto é deixar fluir os medos, os anseios, as raivas, as emoções que são naturais de um vivência dessa natureza. Esses sentimentos precisam emergir e ser ressignificados."

Alan D. Wolfelt é autor de livros sobre perda e é membro da Association of Death Education. Em entrevista ao site Vamos Falar Sobre Luto, o pesquisador elaborou seis necessidades que uma criança pode apresentar ao vivenciar o luto.

A primeira delas é reconhecer a realidade da morte. E para aceitar essa nova condição, os pequenos costumam absorver a informação em "doses", podendo levar anos para realizar completamente a realidade da perda. Depois, é preciso sentir a dor.

Entender que o luto é um processo e não um evento pontual faz toda a diferença. Assim como qualquer adulto, os pequenos vão ter o seu tempo individual para permanecer nesse processo. Para isso, a presença e o afeto dos pais, familiares ou cuidadores vão tornar tudo mais leve.

É normal, também, que a criança procure significados e propósitos. Quando perdemos alguém que amamos, é comum ouvir dos pequenos o questionamento: "Porque as pessoas morrem?". É difícil para qualquer pessoa responder a essa pergunta. Alan D. Wolfelt, inclusive, sugere que os adultos deixem transparecer essa confusão de sentimento e não se sintam culpados por não ter "a" resposta.

"Uma criança que passa por um processo de luto rodeada de suporte e apoio tende a ser um adulto mais saudável", explica Alan D. Wolfelt.

UMA PROFESSORA HEROÍNA

A tragédia em Janaúba chocou o Brasil. Em meio à tristeza e o sentimento de impotência, uma protagonista dessa história serviu de inspiração para muita gente.

Helley Abreu era professora da instituição e teve 90% do corpo queimado ao tentar tirar os alunos pela janela da creche. Ela dei­xou três fi­lhos: Bre­no, de 15, Lí­via, de 12 e o be­bê Ola­vo, de um ano e três meses. Durante a cerimônia de despedida da professora, familiares e amigos não contiveram a emoção e os elogios. O marido, Luiz Carlos Batista, afirmou que Abreu considerava seus alunos como filhos.

"Ela se foi por sal­var vi­da das crianças. Acho que a mis­são de­la era es­ta, sal­var vidas. Mes­mo so­fren­do, eu te­nho que aceitar. Foi por obra de Deus. E Deus é jus­to", contou o viúvo em entrevista ao jornal Estado de Minas.

A docente ficou marcada como uma heroína e foi homenageada com a medalha de Ordem Nacional do Mérito pelo presidente Michel Temer. O governo também anunciou que a creche será reconstruída em até 80 dias. Segundo o prefeito do município mineiro, Carlos Isaildon Mendes, um grupo de empresários da região de Montes Claros e Janaúba se prontificou a fazer a reforma. A instituição, agora, vai levar o nome da professora Helley Abreu.

A solidariedade é, portanto, um dos únicos sentimentos capazes de reconstruir uma comunidade após uma tragédia como essa. Para Iolete Ribeiro, o sentimento de "desamparo" é muito prejudicial.

"Tragédias constroem um envolvimento afetivo maior, uma aproximação, uma solidariedade, tanto com as pessoas de fora, quanto internamente entre as famílias. É importante aproveitar essas vivências para construir algo bom a partir daí."

Cristina Esteche

Jornalista

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