22/08/2023

Para não dizer que não falei

Estamos muito próximos da consulta à comunidade universitária para a escolha do Reitor, Vice-Reitor,  Diretores e Vice-Diretores dos Campi Universitários da Unicentro. Assim, as linhas a seguir fazem parte da tentativa de um dizer aberto, não sem riscos e incompreensões, até porque vive-se aqui um período de tensões e preocupações, afinal a Unicentro é “Uma Universidade de Todos nós” e tenho “Orgulho de ser Unicentro”.  Depois de algum tempo sem o debate de ideias em consultas anteriores, é preciso reconhecer que uma mudança central está acontecendo e que tivemos a grande oportunidade de discutir a Unicentro que queremos para os próximos anos, não sem ruídos, oportunismos, interpretações equivocadas, continuidades e descontinuidades, mas apesar disto, mais democrática e plural do que em outros tempos. Concordo com Maffesoli quando diz que as fogueiras esquentam e são necessárias, porém quando ficam quentes demais, desconectadas de um horizonte, irrompem-se sem advertência e sem controle e podem ser mais letais que uma simples explosão. E o momento aqui, guardada sua proporção, retrata um tempo assim.  O momento é tenso e por si revelador de muitas coisas.  

Em um período de muita impaciência e de pouco ou nenhum reconhecimento para aqueles que estão à frente da maquinaria da esfera pública, é preciso reconhecer aqueles que colocaram seus nomes à disposição neste pleito. São corajosos e, ao que parece, comungam com a tese de que ‘alguém precisa continuar este projeto’, mesmo que suas vidas particulares sejam negligenciadas por algum período.

Apesar de estar difícil decifrar exatamente o que se passa no consciente e inconsciente deste processo eleitoral, pois há sombras e interesses que atrapalham a boa visão e a boa leitura do fato em si, delego-me a autonomia e a responsabilidade de tomar partido. Depois da maior e mais envolvente greve de nossa Universidade onde se viu pela primeira vez a defesa da casa de todos e que mexeu com nosso orgulho e auto-estima, onde o nível de participação esteve muito acima de qualquer média (cada um à sua maneira), conseguimos entender melhor o que a Unicentro representa e a importância deste patrimônio construído por muitas mãos durante muito tempo. Desconsiderar isto é hipocrisia e desonestidade intelectual.

Tenho claro que isto ‘também’ só foi possível porque nossos gestores, em um ato de ousadia e vanguardismo, compreenderam que o nosso momento era este e, em uma prática republicana e pluralista, souberam conduzir o conflito das faculdades e ‘no tempo certo’ abrir os olhos da Universidade em parceria com a base de outros movimentos grevistas.  Não vi isto em outras Universidades e é talvez aí que tenha residido o espanto das mesmas para o protagonismo da Unicentro. Mesmo assim, o oportunismo foi sempre percebido pelo ângulo de reféns do sistema e pelo contraponto dos que querem acabar com o sistema. Apesar de alguns extremismos, próprios da pulsão do momento, caminhamos para uma Unicentro mais desejável. Se por um lado, quer-se uma Universidade para todos, temos que ter claro que não dá para cada um afirmar seu próprio desejo instintivamente.  É preciso haver um nível de renúncia e grandeza, até para construir a casa coletiva e isto se faz com diálogo e com muito juízo. Cada dia fica mais nítido, mais evidente, que ninguém quer ser instrumentalizado nem pelo sistema, nem pelo discurso conveniente daqueles que querem se servir do protagonismo da greve.  A greve não teve proprietários, assim como a Unicentro também não tem proprietários. O saldo positivo da grande participação da greve ainda trará muitos frutos. Um deles que vejo de imediato, independente de motivações internas ou externas, é a presença de várias chapas na disputa eleitoral nos Campi. Se por um lado a trajetória do atual Reitor em setores estratégicos da Universidade, passando pelos papéis de Pró-Reitor, Diretor de Campi, Vice-Reitor e Reitor tem alimentado o discurso de renovação e oxigenação de uma parte da Universidade, por outro lado, para muitos,  é exatamente pela experiência acumulada que preferem confiar a condução de mais uma gestão produtiva que soube, com o apoio de todos, colocar nosso nome entre as melhores Universidades do País.

Para concluir, optei por uma breve analogia ensaística, inspirada em Platão para relatar o que acontece em um navio.  O capitão, superior em tamanho e em força a todos os que se encontram na embarcação, apesar de estar tanto tempo no leme e, por esta razão questionado pelos marinheiros de primeira viagem, possui indiscutivelmente conhecimentos náuticos de grande extensão.

Por outro lado,  vê-se alguns marinheiros em luta uns contra os outros, por causa do leme, entendendo cada um deles que deve ser o piloto, sem ter jamais aprendido a arte de navegar nem poder indicar o nome do mestre nem a data do seu aprendizado, e ainda  discursando que não é arte que se aprenda, estando prontos a reduzir a pó quem declarar que se pode aprender o que apoia quem aprendeu. Ainda por cima, elogiam-se e chamam marinheiros, pilotos e peritos na arte de navegar a quem tiver a habilidade de ajudá-los a obter o comando, fissurando o capitão, rotulando-o de inútil e arcaico. Não escondem ainda a quem assim não fizer que serão responsabilizados por isto. No entanto, sequer percebem que o verdadeiro piloto precisa de se preocupar com o ano, as estações, o céu, os astros, os ventos e tudo o que diz respeito à sua arte, se quer de fato ser comandante do navio, a fim de governá-lo, quer alguns o queiram quer não.

Qual é o saldo disto tudo ? Saber  que dependendo da escolha ou omissão, pode-se chegar ao pior. 

Cristina Esteche

Jornalista

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