22/08/2023
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Paraná perdeu a Guerra do Contestado por causa de um guarapuavano

O vice-presidente Affonso Camargo tomou decisões polêmicas durante a Guerra do Contestado, e não era de se espantar que provocassem críticas

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Camponeses na Guerra do Contestado

O que era um conflito de camponeses contestando as terras se tornou uma guerra que vitimou mais de 5 mil revoltosos (Foto: Acervo Dorothy Jansson Moretti)

Hoje (22), os Estados do Paraná e Santa Catarina relembram os 109 anos da Guerra do Contestado, um conflito que envolveu a população dos dois Estados e o exército brasileiro, além de um empresário, um monge e um guarapuavano. Foi assim que aconteceu: Percival Farquhar, o maior investidor do Brasil no início do século XX, dono de mais da metade das ferrovias do país, ganhou do governo federal mais de seis mil quilômetros de terras na Região entre Paraná e Santa Catarina.

Ganhou também o direito de expulsar a população que lá vivia, graças à ação do advogado guarapuavano Affonso Camargo, que também estava no cargo de vice-presidente. Hoje seria o vice-governador do Paraná. Isso aflorou no povo o ímpeto de resistência, que os fez apegar-se à fé das palavras do monge José Maria de Santo Agostinho*. A passagem dele pela Região sul do Brasil resultou no desenvolvimento de uma forte tradição religiosa. Sendo assim, o povo se revoltou e o governo enviou soldados para debelar a revolta.

Por fim, o que era uma revolta de camponeses contestando as terras sob as bênçãos do monge acabou se tornando uma guerra que vitimou mais de cinco mil revoltosos e cerca de 800 soldados.

POBRES CONTRA RICOS

De acordo com o historiador Paulo Pinheiro Machado, autor do livro “Lideranças do Contestado”, o conflito se tornou uma guerra de pobres contra ricos. “Os rebelados haviam desenvolvido a consciência de sua marginalização social e política, e de que lutavam contra um governo que defendia os interesses dos coronéis”.

O Congresso Nacional da época ignorava a guerra, que durou quatro anos. Tanto que, em setembro de 1914, o senador baiano Abdon Batista desqualificou as denúncias do deputado federal carioca Maurício de Lacerda, que afirmava que a usurpação de terras era a principal causa do conflito. De acordo com o site do Senado Federal, o senador baiano teria dito que tudo não passava de uma lenda:

“Essa gente não tem terras nessas zonas, o que querem é viver sem trabalhar”. E Lacerda rebateu: “As vítimas, como era natural, defenderam-se. O que se devia esperar? Que o Estado fosse em socorro daqueles homens, mas verificou-se o contrário”.

O GUARAPUAVANO

Além disso, o deputado Maurício de Lacerda denunciou dois políticos paranaenses: o curitibano Alencar Guimarães e o guarapuavano Affonso Camargo. Segundo Lacerda, eles eram “protetores da ferrovia que havia se apoderado à força das terras dos sertanejos, e conseguiram que o governo mandasse soldados para matar brasileiros que defendiam suas propriedades”.

Enquanto políticos discutiam no Rio de Janeiro, então capital do Brasil, o governo federal enviou seis mil soldados para acabar com a rebelião. Além deles, o Exército contratou dois mil vaqueanos (jagunços mantidos pelos coronéis da Região) para ajudar.

Com a captura de Adeodato Ramos, o último dos rebelados, a guerra acabou de vez. Logo em seguida, os dois presidentes, Felipe Schmidt, de Santa Catarina, e o guarapuavano Affonso Camargo, do Paraná, assinaram um acordo de limites. Dos 48 mil quilômetros quadrados da área contestada, os catarinenses ficaram com 28 mil, restando 20 mil quilômetros para os paranaenses.

No documento, Affonso justificou a decisão de ceder terras paranaenses para os catarinenses pela necessidade de encerrar uma “luta fratricida sem precedentes”. Porém, não citou os problemas sociais e agrários na Região e sequer se compadeceu das cinco mil pessoas que foram assassinadas.

POSTERIDADE

Anos depois, Affonso Camargo procurou negar a responsabilidade pela perda de parte do território do Paraná. Uma das preocupações era sobre o que falariam dele na posteridade. Por isso, ele deixou mensagens ao longo da vida apontando os “benefícios” em aceitar o acordo daquela forma vergonhosa. Segundo ele, “a perda dessa área era relativamente pequena”.

Procurou também livrar o prórpio nome de futuras críticas, e funcionou. Conforme o historiador Machado, “se observamos parte da historiografia do Estado, a alcunha de ‘pacificador do Contestado’ foi usada algumas vezes”.

CHICOTE

O guarapuavano Affonso Camargo tomou decisões polêmicas durante a Guerra do Contestado, e não era de se espantar que provocassem críticas, conforme explica o artigo “A Mensagem de Affonso Camargo em Face do Acordo de Limites de 1916”, de Luiz Carlos da Silva.

De acordo com ele, o secretário de Obras Públicas e Colonização do Paraná na época, José Niepce da Silva, afirmou que “é admirável como o vice-presidente do Estado se mantenha nesse posto, sem ser corrido a chicote pela onda popular”.

* Os historiadores não entraram em consenso sobre o verdadeiro nome do monge que passou pela região do Contestado, pois existiram dois: José Maria e João Maria.

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Cristina Esteche

Jornalista

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