22/08/2023

Pensar é estimulante

Estar decepcionado não significa estar avesso.  A sociedade anda decepcionada com muitas coisas, em especial nas escolhas e rumos que muitos de nossos governantes tomaram e continuando tomando. Embora o tempero de cada um é diferente, a rigor as coisas não estão bem. Nossa condescendência caminha para o limite. Se fosse para termos apenas o feijão com arroz, nossa opção talvez tivesse sido outra. Sinto falta de originalidade e de uma força criativa que impulsione a execução de coisas para todos nós. O trivial não enche barriga nem satisfaz o apetite. Faz tempo não temos algo original/novo/novíssimo. O que temos, via de regra, é  algo velho de uma forma diferente.

Sem contar que o número de pessoas que estão colocando o dedo nos defeitos de quem nos representa está em crescente. O raciocínio então não é outro senão que ‘melhoramos muito’ mas nossos governantes ou estacionaram ou pioraram.  Há uma distância bastante verificável. Por outro lado, se a qualidade de vida particular melhorou (disto não tenho dúvida), não podemos dizer o mesmo da qualidade de vida pública. Não estamos caminhando do bom para o melhor, mas sim do regular para o sofrível. A sociedade está em outra rotação. Depois de uma vida pré-determinados, avançou-se para condicionados e agora, ensaiamos um pequeno grau de autonomia.  Seria trágico se não pudéssemos mais mudar, afinal condicionados é diferente de pré-determinados.

Interessante observar e constatar esta evolução da sociedade, um pouco mais cônscia. Afinal, a única coisa que ninguém pode  até o presente momento controlar são nossos pensamentos. Reconheço que nunca fomos tão independentes e autônomos social e politicamente ( é até inacreditável ), mas ainda assim, tão submissos quanto ao consumo e à política do mercado. Assim, melhoramos muito por um lado, mas também, semelhante aos nossos governantes,  estagnamos ou pioramos muito por outro lado. Acompanhando o debate nacional, sem perder de vista questões estaduais e locais, temos uma fartura de dados e olhares que nos ajudam a compreender o horizonte  político que exige uma reinvenção ou até mesmo uma refundação de idéias e propósitos. Um corretivo.  É visível que a sociedade tem sede de diferença e de novidade e o momento não é para nos encolhermos, pelo contrário, participarmos do jogo.

O que me preocupa, e talvez eu faça parte deste contexto, é o pessimismo.  Alguns implícitos, mas outros completamente explícitos. A desconfiança reinante contamina e, por conta disso, nossos recursos de análise estão mais próximos da melancolia do que do otimismo. Assim, a mudança de tom parece ser hoje mais necessária que antes. Temos indivíduos  sustentáveis e emancipados, mas ainda não temos ambientes públicos sustentáveis e confiáveis. Por isso, precisamos ir adiante. Antes de procurarmos por conta própria as tábuas de salvação, o que ficaria muito caro para todos nós, precisamos tentar novamente. Este negócio de cada vez pior e promessas não cumpridas não tem mais espaço.  Como dizia a propaganda ‘nem a pau Juvenal’.

Esperamos coisas novas nesta área e, como sabem, quem espera não consegue evitar a decepção. Uma coisa é certa, desejo e decepção estão muito próximos.  Talvez se tivéssemos uma decepção menor, estaríamos no lucro. Sendo  então otimista, acredito que  algumas pessoas ainda são merecedoras de crédito, mesmo que em outras circunstâncias tenhamos depositado enormes esperanças em determinadas pessoas que, por alguma razão,  a irracionalidade ou algo indecifrável, fizeram com que se afastassem de nós através de subterfúgios para nos evitar. É sempre bom lembrar que se tais lideranças mudaram, nós também mudamos.

De tudo isto, a sociedade parece ter aprendido uma coisa.  O que ? Algo novo nunca aparece de uma vez, pois como lembrou Gilles Deleuze, quando se nasce, sempre se nasce frágil , adaptando-se à situação. O que é novo, para sobreviver, precisa revestir-se por um período com roupa velha. Qual é o problema ? A implacável resistência do antigo. Este enfrentamento ao novo pensamento  tem sido desigual, abortando o quanto pode o que está em vias de nascer, transfigurando-se , transvestindo-se para sobreviver, tal qual um gato de sete vidas.  O que nos deixa ainda apreensivos é o ritual do poder. Como lembrou Canetti “… uma característica do poder é a distribuição desigual do olhar que vai às profundezas. Aquele que detém o poder conhece as intenções alheias, mas não deixa que as suas sejam vistas” ou como lembrou Foucault “… quem está na periferia é completamente visto, sem poder ver; quem está na torre central contempla todos sem jamais ser observado.” Que jogo desigual.  Mas pense na seleção de futebol da Costa Rica e veja que a horizontalidade é a horizontalidade.

Inspirando-nos neste pressuposto, me parece que nossa grande tarefa deve ser a de impedir que o poder da força ou que o poder econômico se converta em verdade. 

Cristina Esteche

Jornalista

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