22/08/2023


Segurança

Quando o companheiro é o agressor

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De acordo com a OMS, quase metade das mulheres assassinadas são mortas pelo marido ou namorado, atual ou “ex”

Dados da Fundação Perseu Abramo estimam que a cada quinze minutos uma mulher é espancada no Brasil. Já a Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta que pelo menos uma em cada três mulheres apanham, são violentadas ou forçadas a manter relações sexuais em algum momento de sua vida. De acordo com a OMS, quase metade das mulheres assassinadas são mortas pelo marido ou namorado, atual ou “ex”.
Foi o que aconteceu com Luciana Aparecida Neves, 27, assassinada pelo ex-marido na virada do dia 31 de dezembro de 2007. O crime passional foi totalmente premeditado. Separados há um ano e meio, ela continuou morando na casa onde a família viveu por volta de oito anos, no Residencial 2000. O casal tinha um filho de sete anos, Bruno Neves Groxko, também morto pelo pai na ocasião.
O crime foi descoberto no dia seguinte pela mãe de Luciana, Reni Rodrigues Neves, que ao ver a bicicleta do ex-genro na frente de casa e consciente das frequentes ameaças que Alceu Groxko vinha fazendo à sua filha, acionou a polícia pelo telefone. O corpo da jovem estava coberto sobre a cama, ela tinha levado dois tiros na cabeça. Já o menino caído sobre os pés do pai, que depois do homicídio tirou a própria vida com um disparo na boca. Em uma carta ele pedia para que seu filho não fosse enterrado longe de seu corpo.
O mesmo fim trágico e revoltante teve a assistente social Elizabeth Eurich, morta pelo então namorado Célio Roberto Szierkonski. Ela foi ferida com um golpe de canivete no pescoço, o que provocou hemorragia e a sua morte. Após o crime, que aconteceu no dia 28 de fevereiro de 2007, o autor cobriu o corpo com um edredom e fugiu do local sem prestar socorro. A vítima foi encontrada por colegas de trabalho no dia seguinte. Logo depois, a polícia expediu mandado de prisão preventiva contra Célio, que só foi encontrado um ano depois no município gaúcho de Veranópolis, onde gerenciava uma casa de prostituição.
O julgamento aconteceu no dia 21 janeiro deste ano e Célio foi condenado a 13 anos de prisão por homicídio doloso qualificado (motivo fútil). Da acusação de estupro, que também pesava sobre ele, foi absolvido pelo corpo de jurados.
Já o crime que teve como vítima a professora Laurete Aparecida Roessler Miranda, encontrada morta numa vala na Colônia Vitória, distrito de Entre Rios, após desaparecimento na noite de 26 de dezembro do ano passado, ainda não foi solucionado. O corpo foi encontrado na manhã do dia 30 com sinais de espancamento. Nas investigações iniciais, um ex-namorado chegou a ser interrogado.
Romper o silêncio
Mas infelizmente esses são apenas alguns dos muitos casos de violência contra a mulher. A Delegacia da Mulher registra em torno de 90 ocorrências por mês. “Não sei dizer se esse número é alto ou baixo para uma cidade como Guarapuava, não tenho estatísticas de outras cidades para comparar. O que posso dizer é que há dois anos esses números se mantêm iguais”, observa Maritza, que também chefia a Delegacia da Mulher.
Depois da Lei 11.340, que leva o nome Maria da Penha, decretada em agosto de 2006, denunciar a violência ficou mais fácil. Ela institui que agressores de mulheres no âmbito doméstico ou familiar sejam presos em flagrante ou tenham sua prisão preventiva decretada. Estes agressores também não poderão mais ser punidos com penas alternativas e a legislação também aumentou o tempo máximo de detenção previsto de um para três anos. A lei ainda prevê medidas que vão desde a saída do agressor do domicílio à proibição de sua aproximação da mulher agredida e filhos.
“Se for uma situação de flagrante, o agressor vem para a delegacia. Se ele não for pego em flagrante, o suspeito vem até a delegacia onde é aberto o inquérito policial e o caso será investigado. Nas duas situações a vítima pode requerer medidas protetivas. Mas alguns crimes de violência são afiançáveis e o agressor tem a possibilidade de responder em liberdade”, explica Maritza.
A delegada fala que as mulheres estão mais à vontade para realizar as denúncias, mas que a maioria acaba desistindo da representação. “Muitas se retratam e ainda vêm até a delegacia para pagar fiança e nem todas são dependentes financeiramente do marido. Muitas trabalham mas acabam tendo medo de se separar ou de se manter sozinha. Há casos em que a família recrimina, mas a gente procura compreender a escolha delas, sem julgar ou criticar”, aponta.
Atualmente, a maioria das delegacias da mulher no Estado não apresenta mais um corpo de profissionais multidisciplinar. “Não é mais esta política, a função primordial desta delegacia é a abertura do inquérito e a investigação, cabendo ao Município ou ao Estado o fornecimento de apoio psicológico e outros deste caráter. Mas a Delegacia da Mulher de Guarapuava é mais privilegiada que outras cidades em que já trabalhei, temos uma estrutura boa de trabalho aqui, pois como ela fica junto com a 14 SDP, posso usar todo o quadro de investigadores”, diz

Rede de Atenção
Em dezembro do ano passado saiu do papel e dos debates a criação da Rede de Proteção à Mulher vítima de Violência. A causa era antiga e mobilizava o Conselho Municipal da Mulher e do Clube Soroptimista Internacional de Guarapuava. “Esta rede de proteção foi uma vitória. Na delegacia ela faz um boletim de ocorrência e a delegada, que já recebeu instruções de como tratar essa mulher, preenche uma ficha e depois encaminha para atendimento na Clínica da Mulher. Lá eles verificam se ela precisa de tratamento hospitalar ou de atendimento psicológico, os médicos também foram instruídos para esse atendimento. No final ela vai dormir com seus filhos no albergue noturno”, fala a presidente do Conselho Municipal da Mulher, Rita Caldas, orgulhosa pela criação da rede acontecer em sua gestão. Segundo ela, algumas mulheres já foram beneficiadas com o projeto. “Ele já está funcionando, mas ainda não de maneira plena. Porque é muito recente, mas algumas senhoras já receberam esse auxílio. Parece ser uma coisa fácil, mas não, pois primeiro tivemos que mobilizar o pessoal da polícia e ensinar como tratar dessa mulher e depois verificar a parte de saúde. Foram muitas reuniões, muitos erros acertados, mas estamos muito felizes porque estamos trabalhando em prol da mulher”.
Telma Regina Abreu Wagner, presidente do Clube Soroptimista, enfatiza a luta da entidade pela melhoria da qualidade de vida das mulheres. “Primeiro realizamos o 1º Fórum da Não-Violência contra a Mulher, em 2004, além da conquista da Delegacia da Mulher e agora temos que trazer um delegado efetivo para assumi-la. Também participamos da Rede de Atenção, que ainda estamos estruturando. Queremos construir uma casa para que as vítimas desse tipo de violência, pois sabemos que o albergue não é um lugar propício para recebê-las”, destaca.

Cristina Esteche

Jornalista

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