22/08/2023
Segurança

Quando puxarem um facão, corra

Na profissão de jornalista sempre entendi que um bom profissional não pode fugir da raia nunca. Tá bom, então quem criou essa asneira que encare as matérias de campo.

Em 1996 fui cobrir uma invasão de terra por “campesinos”, que são os sem terra paraguaios, numa localidade chamada Marangatu, no Paraguai.

Quando chegamos à área, o motorista tremeu na base e não quis descer do carro, mas não tiro as razões dele. Naquela época as máquinas fotográficas ainda eram com filmes, nem se comentava na era digital que estava chegando. De dentro do carro fiz várias imagens, prevendo o que iria acontecer. Troquei de filme na máquina e desci.

Ao me aproximar de um grupo deles, perguntei pelo “Yasco”, era o nome que haviam me passado como o líder do acampamento. Sabe quando eu iria falar com o Yasco? Nunca.

Fui simpático, mas não adiantou. Senti que me puxaram a máquina. O cidadão que puxou sabia operar um trator, mas não uma máquina fotográfica. Ele a abriu de qualquer jeito e arrancou o filme. Fui cercado por dezenas de campesinos que falavam todos ao mesmo tempo numa língua desgraçada de ruim e eu não entendia nada. O único argumento que me vinha era: VOCÊS TÊM RAZÃO. ESTOU AQUI PARA AJUDAR.

Depois de uma meia hora, se reuniram num local mais afastado e começaram uma espécie de assembleia. Uns mais exaltados, outros mais calmos.

Me devolveram a máquina suja de graxa de trator. Foi minha deixa. Dei uma piscada pro motorista e pedi pra ele fazer a volta. Consegui por novo filme na máquina e tirar mais algumas fotos. O motorista estava desesperado, e eu ainda não tinha a foto da capa.

Nesse momento aprendi que o jornalista tem que ter medo sim. Cerca de 50 campesinos com facão, foice e machado na mão fazem qualquer um tremer.

Entrei no carro e saímos rapidamente dali, vendo paus e pedras passarem por nós, arremessados pelos invasores.

Foi nesse momento que aprendi que jornalista bom é jornalista vivo. Quando alguém puxar um facão, corra.

Cristina Esteche

Jornalista

Relacionadas

A missão da RSN é produzir informações e análises jornalísticas com credibilidade, transparência, qualidade e rapidez, seguindo princípios editoriais de independência, senso crítico, pluralismo e apartidarismo. Além disso, busca contribuir para fortalecer a democracia e conscientizar a cidadania.