22/08/2023
Política

Quando um evento se transforma em espetáculo e invade nosso imaginário

Por Kátia Vanzini (*) – Pense rápido. O que vem à sua mente quando você ouve ou lê a expressão “11 de setembro”? Para a maioria das pessoas, principalmente para aquelas que tinham idade para compreender os efeitos de tal fato num mundo globalizado, a primeira imagem que surge é de aviões atingindo as Torres Gêmeas. Isso é fácil de entender e muitos são os artigos que abordam tais efeitos. Patrick Charaudeau, por exemplo, em seu livro Discurso das Mídias (Contexto, 2006) aborda, no capítulo Grandeza e Miséria da Palavra Jornalística, a desgraça, a catástrofe, transformada em espetáculo.

 

Próximos da data quando se recorda os 10 anos do maior ataque terrorista dos últimos tempos, um site sem fins lucrativos, o archive.org – biblioteca digital que reúne imagens usadas em 20 estações de televisão de vários países – reúne três mil horas de imagens não apenas da data de 11 de setembro, mas também das semanas posteriores. Há, inclusive, uma linha do tempo, dividida em clips de 30 segundos que formam uma narrativa linear.

 

Mas não é só. Conforme matéria divulgada no site G1 (http://g1.globo.com/11-de-setembro/noticia/2011/09/internet-reune-arquivos-de-imagens-transmitidas-ao-vivo-no-119.html) amadores também fizeram trabalhos interessantes, embora não com a mesma credibilidade.

 

Um dos exemplos, mostra um vídeo que apresenta como as quatro principais emissoras de televisão americanas, divididas em uma mesma tela e passando as imagens simultaneamente, abordaram as primeiras horas durante e após o ataque (http://www.youtube.com/watch?v=Y0hRXohryFM). Há também trabalhos de cinegrafistas amadores, editados ou não, como a que mostra o avião se aproximando e se chocando contra a torre sul (http://www.youtube.com/watch?v=J0Qu6eyyr4c&NR=1)

 

São tantas imagens, postagens, matérias, que fica fácil entender como as imagens acabam fazendo parte do que comumente é denominado “imaginário popular”. Charaudeau, por exemplo, usa o termo imagem-sintoma, que é uma imagem já vista, dotada de uma carga semântica, repleta de dramas, alegrias, sofrimentos, heroísmos, fixando-se em nossas mentes como se fossem fotografias.

 

É quando a notícia se transforma em espetáculo, e, sendo espetáculo, com carga de emoção que automaticamente permite que tais imagens sejam gravas em nossas memórias.

 

São tantos eventos transformados em espetáculo que, ao citar alguns, as imagens vão passando em nossas mentes como num álbum de fotografia: caso Isabella Nardoni; a catástrofe das chuvas na região serrana no Rio de Janeiro; assassinatos de alunos de escola pública do Rio de Janeiro cometido por ex-aluno; entre outras matérias que foram, durante dias seguidos, o principal tema das matérias veiculadas pela mídia nacional, muitas das quais com apresentadores deixando suas bancadas e partindo para o local dos acontecimentos.
“Como as mídias dedicam-se, por um lado, a procurar revelação e, por outro, a ampliar a dramatização do acontecimento através de um relato ficcionalizante, o público também não é mais tratado como cidadão, mas sim como espectador de um mundo que se torna objeto de fascinação, que lhe atrai e que lhe causa repulsa ao mesmo tempo” (Charaudeau, 2006, p. 273).

 

O que coloca um grande desafio da mídia: seguir a lógica comercial, transformando a notícia em espetáculo, ou, numa outra perspectiva, evitando os efeitos da dramatização, buscando informar para formar cidadãos.

 

 

*CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das Mídias. São Paulo: Contexto, 2006.

 

Kátia Viviane da Silva Vanzini é jornalista, assessora de imprensa e especialista em estratégias a comunicação.

Cristina Esteche

Jornalista

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