Por Eduardo Bresciani, de O Globo
Brasília – A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, decidiu pela não validade da regra que determina a aplicação de nota zero ao candidato que desrespeitar os direitos humanos na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Ela atendeu a liminar concedida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região que suspendia esse trecho do edital. O tema foi levado ao Supremo em recursos da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Procuradoria-Geral da República (PGR).
A liminar foi concedida pelo desembargador Carlos Moreira Alves, acatando pedido da Associação Escola Sem Partido. O movimento argumenta que o critério não é “objetivo” e tem “conteúdo ideológico”.
Na sua decisão, Cármen defende que a liberdade de expressão estaria sendo cerceada pela regra do edital.
"Não se desrespeitam direitos humanos pela decisão que permite ao examinador a correção das provas e a objetivação dos critérios para qualquer nota conferida à prova. O que os desrespeitaria seria a mordaça prévia do opinar e do expressar do estudante candidato", afirma a presidente do STF.
Cármen sustenta ainda que uma reversão da liminar na véspera da prova geraria mais incerteza aos candidatos do que a decisão do TRF-1.
"Assim se tem a concretização dos direitos humanos defendidos pela Requerente, parecendo gravoso ao princípio da segurança jurídica o afastamento, a menos de quarenta e oito horas do início de aplicação das provas do Enem, da eficácia da decisão judicial que julgou a matéria e onze dias antes daqueles procedimentos afastou regra que expande direitos fundamentais, não os restringe", afirmou Cármen.
A presidente do STF afirma que a nova visa combater o que seria um "mal exercício da liberdade de manifestação do pensamento pelo candidato", mas que ela "parece ter ablação abstrata e genérica". Ela afirma que o pleno respeito aos direitos humanos está garantido na Constituição, mas que não se pode violar a liberdade de expressão.
"Mas não se combate a intolerância social com maior intolerância estatal. Sensibiliza-se para os direitos humanos com maior solidariedade até com os erros pouco humanos, não com mordaça. O que se aspira é o eco dos direitos humanos garantidos, não o silêncio de direitos emudecidos. Não se garantem direitos fundamentais eliminando-se alguns deles para se impedir possa alguém insurgir-se pela palavra contra o que a outro parece instigação ou injúria. Há meios e modos para se questionar, administrativa ou judicialmente, eventuais excessos. E são estas formas e estes instrumentos que asseguram a compatibilidade dos direitos fundamentais e a convivência pacífica e harmoniosa dos cidadãos de uma República", sustenta a presidente da Corte.
Ela conclui destacando que sua decisão de negar a liminar não avança sobre uma decisão do mérito do caso, que deverá ser analisado posteriormente.
AGU TINHA ENTRADO COM RECURSO
Em seu recurso, a AGU destacou que tal regra está em vigor no Enem desde 2013 e que o critério adotado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) está descrito de forma clara no manual de redação. O órgão divulgou, inclusive, exemplos de frases que foram interpretadas de tal forma em exames anteriores.
A PGR, por sua vez, destacou que a liminar provoca insegurança jurídica, uma vez que os candidatos fizeram toda sua preparação levando a regra em consideração. A procuradora-geral Raque Dodge observou que dos 6,1 milhões que fizeram o Enem no ano passado, foram 291 mil os que tiraram nota zero na redação e apenas 4.798 por ferirem os direitos humanos.
A procuradora-geral afirma que a regra do edital “visa prevenir o discurso de ódio, com proteção aos direitos humanos” e que “nada há de ilegítimo, na regra em si, que pudesse ensejar a interferência do Judiciário e a retirada do item da lei do concurso”. Dodge afirma que a liberdade de expressão prevista na Constituição tem de ser interpretada levando em conta artigos da mesma carta que preveem “a punição de discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais e de atos de racismo”, além de tratados internacionais sobre o tema dos quais o país é signatário.
“Não se trata de tolher o direito de livre manifestação do candidato, e, sim, de alertá-lo para a necessidade de exercício responsável do direito, que não desrespeite, em seu discurso, direitos fundamentais de seus semelhantes, que com ele convivem”, argumenta Dodge.
PROFESSORES COMENTAM A DECISÃO
Após a decisão da presidente do Supremo, professores e alunos reagiram a mudança de critérios faltando apenas um dia para a prova.
"A orientação é seguirmos o que foi estudado ao longo do ano. Não vale a pena mudar a estratégia em um momento tão próximo. Até começar o processo de correção, outras decisões podem ser tomadas. Essas decisões abalam muito o psicológico do aluno e gera um nervosismo desnecessário na véspera da prova", analisa Thaiane Espindola, professora de Redação do Colégio QI.
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Para o aluno Guilherme Freitas, que vai prestar o exame amanhã, essa indecisão sobre como proceder a prova é injusta com quem vem estudando ao longo do ano.
"A gente treina o ano todo com uma perspectiva. Uma semana antes, mudam. Fica difícil manter a serenidade para um momento tão importante nas nossas vidas".
(Colaborou Raphael Kapa)