22/08/2023

Remédio ou veneno ?

Os que se calam ou aceitam a mordaça ou ainda  estão sempre  pouco dispostos ao enfrentamento  em defesa de suas convicções e ao debate sério parecem obedecer a um instinto de sobrevivência: silenciar-se para não ter problemas. Fazem isto para  estarem de bem com sua paralisia natural,  para não arcarem com prejuízos quaisquer, para usufruírem  de  vantagens pessoais ou pior ainda ou ainda comprometidos com coisas piores. Assim é o caso de um ressentido  que,   encolhido,    não consegue exteriorizar o que sente de verdade. Este imobilismo e o ato de ruminar por ruminar é degradante.

 É certo que muitos paranaenses se indignaram quando souberam do privilégio  ‘inusitado e desproporcional’  de valores adicionais aos magistrados paranaenses com o apelido de auxílio-moradia. Está mais que na hora de acabarmos com este tormento  da alma humana: o ressentido sem objetividade, ou seja,  aquele que sussurra ao invés de expressar com consistência o que entendemos como certo e como errado.  Seguramente isto está certo pela legalidade, por procedimentos técnicos, mas  totalmente equivocado pela imoralidade e descaso com os cidadãos comuns.   Não tenho dúvida de que tal medida feriu ao menos dois princípios constitucionais basilares, a saber: a economicidade e o senso de oportunidade. Infelizmente, do berço ao túmulo o ser humano tem uma parceria terrível com a condescendência, com a permissividade e com o discurso estéril.  Urge que possamos,  neste caso,  remar  contra a maré.

O que é algo que une a todos, neste momento ? Na pior das hipóteses, sobrevivência; na melhor das hipóteses, vivência com dignidade.

Da mesma forma, precisamos ter um posicionamento claro  quando o que está em jogo é o amanhã de nosso país e a responsabilidade do comando do mesmo.   

O que mais tememos hoje, no meu entendimento,  chama-se overdose ou excesso do extremo, que analogamente pode ser interpretado como o exagero do PT no Governo  e da mesma forma, o exagero do PSDB em um possível governo.

O receio é uma droga interessante.  É pedagógico ter receio e juízo. Como diria Bauman,  “remédio e veneno embrulhados num só,  remédio quando administrado regularmente e na quantidade certa, veneno se exagerado”. De fato, há elementos positivos que precisam ser mantidos ( disto não tenho dúvida ), mas também elementos negativos que precisam ser expurgados ( disto tenho certeza ).  Se pudéssemos contar com as poucas vantagens que o PSDB nos legou, acrescido de algumas outras vantagens que o PT proporcionou, acrescido da eliminação dos maiores pecados destes dois grupos, estaríamos em boas condições.

Sobre a COPA do mundo, da mesma maneira. O futebol espetáculo é jogo e nunca foi outra coisa. Se é  jogo, está na categoria do simulacro, portanto não é verdade. Exceto a população em geral  que participa efetivamente deste teatro, os diretamente envolvidos sabem que  ‘independente’ do que ocorre naquele momento , não há alteração objetiva  para suas vidas particulares de forma significativa.  A expressão jogo  está no campo do ‘tudo é possível’,  portanto do incontrolável e imprevisível.  Sabendo disto, comentadores de plantão denominaram o evento de ‘o inominável ocorrido’.

O discurso de outros tempos de ‘ Brasil como pátria de chuteiras’ não deveria encontrar tanto eco como continua encontrando, até porque sabemos que mascara e deforma uma realidade profunda. Transferir para um jogo todas nossas expectativas  é algo irracional e abominável, mas alguns de nossos governantes federais  tem uma leitura antagônica quanto a isto e  não mediram esforços para nos   meter   em um universo paralelo com o propósito de ocultar alguma coisa. Não podemos e não devemos amargar a morte da crítica e das categorias racionais. A questão que se põe neste momento é  como podemos ser   brasileiros melhores  perante um pós-Copa e perante um fracasso neste mundo do faz de conta ?

Sacralizar o futebol não nos faz melhores, mas sim ‘diminuídos e bestializados’ diante de uma cultura que banaliza o que é correto, o que é concreto, o que é essencial.

A razão, pouco constante em nosso país, exige que não botemos todos os ovos numa única cesta e que sejamos muito mais táticos que nosso treinador Felipão. Em outra palavras, é um equívoco depositar nossa maior energia em algo que não corresponde  ao mundo real.  Que possamos recuperar o sentido primeiro de nossas vidas que não deveria ser outro senão  cuidar do planeta, cuidar de nosso país e de nossa cidade,  produzir com sustentabilidade ,  pesquisar e transformar  algo em outro algo para melhorar nossa qualidade de vida.

Por Claudio Andrade.

Professor do Departamento de Filosofia da UNICENTRO.

Doutor em História e Sociedade.

Endereço eletrônico: mestreclaudio@uol.com.br

 

 

Cristina Esteche

Jornalista

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