22/08/2023
Segurança

Reportagem: Descaso impera no Cristo Rei

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Guarapuava – Elas andam isoladas, em duplas ou em turmas. Perambulam e muitas vezes dormem nas ruas. Arredias, ariscas, desconfiadas, agressivas. Mas se permitirem uma aproximação vão despedir-se da agressividade e mostrar uma outra realidade: uma carência que não cabe no corpinho franzino de algumas delas, aliada à total falta de compreensão do peso real do que fazem. Sem a mínima maturidade sexual ou emocional, elas não têm capacidade para avaliar e muito menos optar se realmente desejam ser prostitutas. São vítimas de uma situação social que chega a ser considerada um problema de saúde pública.
Esta triste realidade emoldura a periferia de Guarapuava desde as margens da BR-277 até bairros como o Cristo Rei, núcleo que compõe o maior complexo residencial da cidade. “Sabemos que no conjunto dos núcleos habitacionais e vilas da redondeza chegam a morar mais de 30 mil pessoas”, diz um dos moradores do bairro, o acadêmico Felipe Soares da Cruz.
Pelas “passarelas do sexo” desfilam meninas de 12, 13 anos, que ficam na avenida Serafim Ribas e vão até a avenida Castelo Branco já nos finais de tarde, após a saída da aula, numa peregrinação diária. São vítimas de um problema social, da falta de programas oficiais que tratem dessa questão.
O Conselho Tutelar de Guarapuava, segundo uma das conselheiras, só pode atuar nos casos a partir de denúncia formal. “Estamos aqui na rodoviária, apenas com um telefone e com um carro emprestado pela Prefeitura. Não temos condições de trabalho”, foi a resposta dada.
Bairro auto-suficiente do centro da cidade, porém, o Cristo Rei se ressente não só com o problema da prostituição infantil, mas com violência, furtos, roubos, excesso de velocidade e vandalismo.
“Não podemos mais aguentar essa situação. As meninas estão se prostituindo nas ruas, no ginásio de esportes, onde há também consumo de drogas e ninguém faz nada. Na semana passada uma mulher fazia sexo oral no parceiro às 5 horas da tarde atrás do ginásio de esportes com crianças vendo tudo e o guardião não fez nada”, denuncia Ana Dorneles, presidente da Associação de Moradores do Cristo Rei, a Sancrei.
“Eu fiz um pedido para o Flavio Veras (diretor da Surg) e soube que ele rasgou e jogou no lixo, dizendo que eu era contra o prefeito e que nada seria feito no Bairro por causa disso. O bairro é que está sendo prejudicado”, lamenta. Na Surg a informação dada na quinta-feira (4) foi de que o secretário encontrava-se em reunião.
Moradores temem represálias
Conversar com as pessoas que moram no Cristo Rei é fácil. Todas confirmam que há prostituição infantil e que a comunidade está sem segurança pública. O difícil é alguém assumir a autoria da informação. Com medo de possíveis represálias políticas ou de marginais que moram nas proximidades e que passam o dia no Cristo Rei, a maioria se cala. É a lei do silêncio que impera. “Aqui a gente conhece o bandido pelo nome, sabe onde mora. Alguns vêm da Cracolândia (vila que tem essa denominação por ser ponto de venda de crack), da Vila das Patentes (hoje conhecida como Patental), entre outras localidades.
Cansado de tanto ser roubado, o empresário Paulo Sergio Prates, dono de uma farmácia no bairro, quis falar. “Sou roubado sempre. Ficam esperando abrir a farmácia. Num dia desses uma mulher colocou um vidro com tinta para cabelo debaixo da roupa, mas eu vi e consegui pegar de volta. No outro dia fui roubado e ameaçado com um estoque e o ladrão me pediu R$ 5,00 para comprar uma ´pedra´, (crack) para me devolver a mercadoria roubada. Estamos pagando pedágio para os viciados”, afirmou.
“Num mercado uma mulher chegou num carrão, roubou e quando a polícia foi chamada disse que não entraria no camburão porque o seu nível social não permitia”, contou Paulo.
“As pessoas ficam pedindo dinheiro no sinaleiro e não conseguem, e vêm nos roubar. Numa única noite seis vitrines de lojas foram quebradas”, enumera.
“Não dá para deixar nada em lugar algum fora de casa nem por 10 minutos, que some. Não temos viatura, não temos polícia, não temos segurança, mas temos voto e logo vamos ser lembrados”, diz outro morador que pediu para não ser identificado.
O único módulo policial existente no Cristo Rei está desativado.
Ana Dorneles disse que participou de várias reuniões na Polícia Militar para reivindicar medidas de segurança no bairro, mas que até agora não foi atendida. A reportagem entrou em contato com a assessoria de comunicação da PM na tarde de quinta-feira (4) e também com o comando, mas não havia quem pudesse comentar o fato.
Vandalismo e bebedeira A vulnerabilidade no setor de segurança pública deixa vândalos à vontade. Os vidros do ginásio de esportes estão quebrados, há canos arrebentados, pichações surgem em muros e paredes em vários pontos.
Construído há cerca de quatro anos a própria estrutura do ginásio já foi entregue comprometida e a Prefeitura recebeu. “O ginásio nem tinha sido entregue e uma das paredes caiu”, disse o guardião Milton Luiz Rodrigues, o Baiano, que acumula as funções também de administrador e instrutor da unidade. Ele disse que no local funcionam escolinhas de fustal masculino e feminino, kicboxing, karatê, com 150 alunos no total, vindos dos bairros Primavera, Alto da XV, Bonsucesso. Moradores garantem, porém, que o número de participantes é reduzido. “Neste ano ainda não teve nenhuma aula e quando tinha vinha só meia dúzia de gato pingado”, informou um senhor aposentado. “O que vêm fazer aqui é se prostituir, ficar de agarramento, bebedeira e bagunça”, reclama outro morador próximo ao ginásio. De acordo com Baiano, as aulas vão começar ainda neste mês.
Baiano também confirma que há atos de vandalismo e que enfrenta problemas com jovens e adolescentes embriagados, a maioria vestindo uniforme do Colégio Estadual Cristo Rei.
“O sossego do bairro termina após as 17 horas quando a aula do colégio acaba”, confirma uma das moradoras do bairro.
A diretora do Colégio Cristo Rei, com 1,6 mil alunos, Guiomar Hofmann, disse desconhecer a situação e que nunca recebeu nenhuma reclamação a respeito. De acordo com a professora, o Colégio é responsável pelo aluno enquanto ele está dentro da escola. “Fiscalizamos a frequência do estudante e quando há muita falta entramos em contato com a família”, disse Guiomar.
A professora afirmou também que no horário de saída das aulas há uma aglomeração “muito grande” de pessoas estranhas ao meio, em frente ao colégio. Guiomar observa também que o bairro cresceu muito, atraiu empresas e como consequência o problema social também se agravou.
A Patrulha Escolar, de acordo com o soldado Lima, atua no entorno do Colégio, mas ele disse que após as informações da TRIBUNA/REDE SUL vai estender o trabalho além dessa limitação.
Tão logo a noite desce, os moradores do Cristo Rei convivem com mais um problema. O excesso de velocidade, principalmente na Avenida Vereador Olinto Rosa Pimentel, que corta o bairro, coloca em risco a vida de pedestres. “Isto aqui virou uma terra de ninguém, não há respeito a nada. Estamos esquecidos pelas autoridades, pelo prefeito, pelos vereadores, que só lembram da gente quando querem voto, mas vamos dar o troco”, diz Renato Nogueira. “Guarapuava está deixando muito a desejar em muitos pontos da cidade”, diz Paulo Prestes.
Foto: bairro Cristo Rei à noite (Nagel Coelho/Rede Sul)

Cristina Esteche

Jornalista

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