22/08/2023
Agronegócio

Reportagem: Guarapuava e a maçã, ontem e hoje

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Guarapuava – Há mais de vinte anos, o município de Guarapuava viveu um período de grande euforia. Um programa coordenado pelo governo do município, o Planalto Verde do qual um dos projetos, o Programa da Maçã, foi o carro-chefe começava a transformar a região em modelo de fomento às atividades capazes de gerar postos de trabalho, e manter o homem do campo em seu habitat natural.

A maçã de Guarapuava começava a fazer fama nacional, quando circunstâncias políticas provocaram o fim do sonho que já era uma realidade. Treze anos depois, um pequeno produtor, independente e sem qualquer incentivo, mas corajoso, por sua própria conta e risco deu início a um “mini-Programa da Maçã”. E depois de mais sete anos, Reinhard Wilhelm Kratz, do distrito de Entre Rios, Guarapuava, não tem do que se arrepender.

No mesmo solo, clima e altitude e apenas com novas técnicas, ele colhe hoje 40 toneladas de maçã de primeira qualidade por hectare, com um rendimento de quase vinte vezes o da soja. E empregando grande número de trabalhadores, com salários superiores à média dos subempregados da cidade.

“A idéia [de plantar maçã] surgiu em conversas com os meus primos Roberto Protil, professor na PUC, e Ricardo Protil, que mora na Alemanha. Minha área é pequena e eu necessitava de uma diversificação que agregasse mais valor. Então nos reunimos e discutimos as tecnologias, condições de terra e clima da cidade concluindo pela viabilidade da cultura”, explica ele sobre a o que o levou plantar maçã em Guarapuava, 20 anos após o fim do Programa da Maçã do Planalto Verde. Kratz comenta ainda que iniciou o plantio da maçã em 2003.

O agricultor chegou a visitar as instalações do Programa da Maçã e também teve contato com os dados levantados pelo Planalto Verde. Além disso, ele realizou um estágio voltado à cultura da maçã durante o período em que frequentou o Colégio Agrícola de Castro, o que facilitou seu trabalho. Apesar disso, ele destaca que o sistema de plantio usado difere do utilizado pelo Programa da Maça.

“Buscamos basicamente no Rio Grande do Sul o sistema de plantio adensado, baseado no tutoramento da planta. Assim, economizamos energia e dinheiro na formação da estrutura da árvore, para sustentar o fruto. Ambos são sustentados por arames e tutores”, comenta.

Atualmente, Kratz utiliza duas variedades de maçã, a Royal Gala e a Brooksfield, um tipo australiano. O agricultor afirma que o produto brasileiro tem obtido bom resultado fora do país e explicar por que.

“A maçã nacional está tendo uma aceitação muito grande no exterior, graças a fatores como qualidade, teores de açúcar, aparência e cor. Também existe efeito splash, quando você morde, ela explode na boca. Toda maçã fresca tem essa característica, mas a nossa se sobressai nesse aspecto, por exemplo, sobre a maçã argentina”.
Kratz ressalta a quantidade de pessoas empregadas pela cultura da maçã.

“Empregamos em média 2,5 pessoas permanentemente, senão mais, por hectare/ano. Como a cultura é sazonal, nos três meses de colheita e de realinhamento, utilizamos um contingente bem maior, de setenta a oitenta pessoas”, comenta.

O agricultor destaca que a maioria dos funcionários é de Entre Rios e do Paiol de Telha e recebem de R$ 800 a R$ 1000. “É um ganho superior ao salário mínimo na cidade. Trabalhamos também com outras culturas como tomate, pimentão e cebola, otimizando a pequena propriedade”, afirma.

Ele aborda a importância do cultivo da maçã para o mercado de trabalho. “Comparando, 200 hectares de maçã empregam, em média, 400 trabalhadores. A mesma área de soja pode ser tocada com três funcionários e máquinas”, encerra.

O Planalto Verde

Preocupado com o declínio da atividade madeireira, a dependência da pecuária, e o alto índice do êxodo rural, o então prefeito de Guarapuava Nivaldo Krüger, já no segundo dos seus três mandatos (1973/1976), criou um programa de fomento econômico para o município, a que deu o nome de Planalto Verde.

A filosofia do programa, sintetizada na expressão “produção pelas massas, em vez de produção em massa”, visava à fixação do homem rural no seu meio, gerando-lhe oportunidades, elevando seu nível de vida, e evitando o êxodo rural, com as consequências conhecidas.

O Centro Agropecuário Municipal (CAM), criado em 1973, foi o órgão municipal que coordenou o processo. O Planalto Verde contemplou todas as potencialidades possíveis e imagináveis do município: meio-ambiente, erva-mate, apicultura, piscicultura, avicultura caseira, ovinocultura, bovinocultura de corte, bovinocultura de leite, fruticultura-maçã, diversificação da fruticultura, tração animal, olericultura, abatedouro, incentivo à agroindústria, incentivo à pesquisa, eletrificação rural, saúde, educação, promoção social e núcleos rurais de desenvolvimento. O carro-chefe foi o Programa da Maçã.

Procurado pela reportagem da TRIBUNA, Krüger mostrou-se entusiasmado com a experiência de Kratz, no distrito de Entre Rios, em Guarapuava. Ele analisa o que aconteceu com o plantio da fruta, que oscilou muito durante os últimos 20 anos.
“A cultura da maçã sofreu fases, e a primeira delas foi quando se estabeleceu com incentivos fiscais. Aí tivemos um ‘boom’ na cultura da maçã.

Esse período durou talvez uns vinte anos. Quando as variedades usadas estavam ficando superadas, não havia mais incentivo fiscal. As empresas que haviam feito os grandes pomares não tinham reservado capital para reinvestir na sua reforma. E a adesão de pequenos produtores tinha sido pequena, não havia tradição frutícola”, explica.

“Por isso, nós estávamos trazendo para cá o Instituto Ambiental do Paraná (Iapar), tínhamos conseguido 200 hectares na BR-277 para montar um centro de pesquisa de excelência do Paraná. Então houve a mudança política e perdemos o apoio. Pior, forjou-se o mito de que em Guarapuava não dava maçã, para forçar a interrupção de uma realidade que se tinha estabelecido”, continua.

Krüger comenta ainda que na sequência a maçã foi substituída pela kiwi, durante o Governo Lerner. Como a nova cultura não vingou, houve êxodo rural e desemprego. “A partir disso a pequena propriedade se inviabilizou. Então, tivemos uma inversão no êxodo. Os 15% da população do município que viviam na cidade, chegaram aos mais de 90% na atualidade. Uma tragédia anunciada”.

Ele opina sobre o futuro da cultura da maça em Guarapuava. “O sucesso do Kratz é a confirmação do óbvio. Ao clima e ao solo foi acrescentada a nova técnica do adensamento, aumentando a produtividade. Há mercado, alta lucratividade e mão de obra disponível. O que está faltando para a retomada do processo?”, indaga.

Foto: divulgação

Cristina Esteche

Jornalista

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