Vanessa dos Santos, 11 anos, havia acabado de chegar em casa da escola, se trocou e preparou um achocolatado para beber. O copo permaneceu na mesa da cozinha, enquanto o corpo da menina caía no barranco em frente à sua casa. Vanessa foi atingida na cabeça por um tiro, durante um confronto na Favela Boca do Mato, zona norte do Rio, na última terça feira (04). Policiais da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) levaram-na para o Hospital Salgado Filho, mas a criança não resistiu.
O pai de Vanessa, Leandro Matos, está revoltado com tanta violência, que já faz parte do cotidiano dos cariocas. Ele questiona a ação das UPPs nas comunidades e diz que a situação parece ter piorado depois da chegada dos policiais por lá: "Parece até combinado. Todo dia tem tiroteio numa comunidade, todo dia tem criança sem aula, sem creche. Antes só via isso na TV, agora aconteceu comigo", disse em entrevista ao G1.
Leandro ainda fez um apelo ao secretário de Segurança do Rio, Roberto Sá: para evitar confronto das 6h às 7h, horário em que as crianças estão a caminho da escola. Não é a primeira vez que esse tipo de tragédia acontece na família da pequena Vanessa. Há cinco anos, seu tio também morreu vítima de bala perdida, na mesma comunidade.
Apenas durante o mês de maio, o aplicativo Fogo Cruzado registrou 478 notificações, com pelo menos 137 pessoas mortas e 115 feridos. O aplicativo foi desenvolvido pela Anistia Internacional para registrar episódios de tiroteio na região metropolitana do Rio de Janeiro. A plataforma é colaborativa e a própria população lança os dados, que são verificados por moderadores do app antes da postagem.
Esses números revelam que o Rio de Janeiro vive uma guerra. O jornal Extra fez um levantamento com base nos dados da Polícia Civil e identificou que a cada sete horas uma pessoa é vítima de bala perdida.
Os cariocas não conseguem nem respirar entre um luto e outro. Os choros se emendam, enquanto as vítimas aumentam. No dia em que a comunidade do Lins velava o corpo de Vanessa dos Santos, a adolescente Samara Gonçalves, de 14 anos, foi atingida enquanto estava no pátio do Colégio Estadual Ricarda Leon, em Belford Roxo, na Baixada Fluminense. A Polícia Militar informou que o tiro partiu de um confronto entre traficantes. Até a noite desta quinta-feira (6), a vítima permanecia internada em recuperação.
Artur nem teve a oportunidade de conhecer o mundo e já sofreu os efeitos da violência em sua comunidade. Foi atingido por uma bala perdida dentro do ventre de sua mãe, Claudinéia dos Santos Melo. Já estava tudo preparado para receber o bebê: o berço, a cômoda, as roupinhas. O quarto enfeitado com todo carinho e cuidado.
Enquanto sua mãe fazia as últimas compras para seu filho, no dia 30 de junho, uma bala retirou de Claudinéia uma das primeiras felicidades que a mãe passa com seu bebê: a de ver seu filho andar pela primeira vez. Isso porque Artur está paraplégico. O bebê permanece internado em estado grave.
Nesse mesmo dia, outra tragédia que atingiu mãe e filha deixou os moradores da Mangueira assustados e inconformados. Marlene Maria da Conceição, 76 anos, e sua filha Ana Cristina da Conceição, 42 anos, estavam indo para o trabalho quando foram atingidas por balas perdidas. As vítimas foram levadas para o hospital Salgado Filho, mas não resistiram aos ferimentos e morreram no caminho.
Essa onda de violência e balas perdidas já se tornou algo corriqueiro no Rio de Janeiro. Os moradores devem se perguntar "A que horas será o tiroteio hoje?", assim como perguntamos a que horas vai chover.
Uma tragédia atrás da outra, crianças atingidas enquanto estudam, adultos no caminho do trabalho. Enquanto a população sonha com a paz, para Roberto Sá, secretário de Segurança do Rio, o nome dado às UPPs, com seu propósito de paz, também não passa de um sonho: "O nome foi equivocado, foi um sonho. Esse nome traz cobrança que é injusta para o que se propõe tão somente o policiamento ostensivo. O nome foi equivocado", afirmou em entrevista à GloboNews, na última quinta (06).
Para o secretário, o problema não está na ação policial: "O errado não é o policial que está numa ação e vai ser recebido a tiro. O errado é o criminoso que age com tanta impunidade e com tanto acesso de armas".
De acordo com o jornal O Estado de São Paulo, a Secretaria de Segurança determinou que os policiais militares suspendam ações nas favelas para evitar tiroteios. Roberto Sá advertiu "que se tenha mais cuidado com disparos. O objetivo é preservar as vidas dos moradores".
(*) Vivian Jordão é graduada em Letras, formanda em Jornalismo e estagiária do HuffPost Brasil