Mais de 11 mil quilômetros de distância, 44h semanais ao longo de anos trabalhando, que alguns trabalhadores já somaram quase 7.300 dias. Há quem esteja há dois, três ou cinco anos sem visitar a família. Parecem números desconexos, mas são parte da vida de alguns dos 40 trabalhadores da obra do prédio Tree Tower, em construção no bairro Planejado Cidade dos Lagos em Guarapuava.
O prédio, com projeto para 25 andares, vai somar 10 mil metros cúbicos de concreto, e tem mãos de homens que vieram de várias partes do Brasil como Bahia, Pernambuco, Natal e Pará. Seria compreensível se eles pensassem em todos esses números, sentindo saudade de casa e da família. Mas a realidade é outra.
O dia a dia de quem enfrenta sol, chuva, vento, frio e calor em meio a ferros, concreto, rochas, cabos de aço, materiais de construção, é calcular metragens, seguir o projeto e contar os dias para ver a esposa, os filhos, os pais, os amigos e novamente a cidade natal.
Evandro é o responsável pela obra, e veio da Bahia, mas já mora no Paraná há alguns anos. Diante do questionamento de como eles lidam com a saudade, ele responde que o cotidiano exige concentração, há cálculos a todo instante e planejamento.
Na obra, você pensa na obra, pois em segundos você lida com muitas coisas diferentes. Os nossos planos duram segundos. Ele pode estar pensando na mulher aqui e no próximo segundo, estar pensando na obra. Conseguimos separar as coisas. Mas se somarmos todos os anos que estivemos na obra, daria quase os anos de Guarapuava.
Davi de 19 anos diz que tem um momento que esse sentimento não é anestesiado. “Quando eu chego em casa, bate saudade de casa, da minha mãe. Mas as chamadas de vídeo ajudam muito, conversamos todo dia”. O jovem deixou Natal, capital do Rio Grande do Norte, há quatro meses. Ele era músico e viajou com a banda para várias cidades do Nordeste Brasileiro. Mas após terminar o ensino médio, ele precisava melhorar de vida e ter estabilidade. O motivo para ir embora era claro na cabeça.
Eu estou há pouco tempo no ‘trecho’ [quem sai de casa, e viaja a trabalho], é minha primeira vez. Minha cidade é muito ruim para conseguir emprego de quem é carteira ‘branca’ como eu. Eu nunca tinha trabalhado ‘fichado’ [registro em carteira de trabalho], então ficava difícil conseguir emprego. Tive que sair para longe de casa e foi aqui que consegui, no Paraná. Batalhei perto de casa para conseguir, mas eles não dão oportunidade, fazia bico para me manter. Tenho que ajudar em casa e ajudar minha mãe. Não pretendo voltar, aqui eu ‘faço’ em um mês, o que eu precisaria fazer em quatro meses lá tudo sem registro. Lá eles não gostam de registrar, então eu larguei e vim. Meu irmão também está aqui, mas deixei minha mãe, meus irmãos, meu padrasto, todos lá.
Quatro meses ainda é pouco, perto do tempo que José Silvio Farias está na construção civil. Ele saiu de Pernambuco em 2005 em busca de uma vida melhor. “Eu voltei em 2010, vim para cá em 2015 e depois não voltei mais. Sempre tenho contato com minha família, mas tive esposa e meus filhos aqui [no Paraná]. Lá é diferente, clima e sotaque. Já passei por cinco estados, para gente também é difícil ficar muito tempo afastado. Minha família questionou, mas eles compreendem financeiramente. A gente veio para cá pra dar uma expectativa melhor, a gente gosta, mas é com essa expectativa”.
São muitas as histórias de quem realmente está ‘construindo a vida’ pelo Brasil à fora. Algumas com momentos de felicidade que superam todo o esforço. José Luiz de 26 anos é pernambucano e há oito anos está no trecho. Ele é o único da obra que sabe operar uma máquina para dobrar o aço. Ele faz em poucas horas, o que os trabalhadores de obras normais fazem manualmente em dias. A habilidade e também a carreira na construção traz estabilidade financeira. Por outro lado, faz com que ele esteja mais presente na obra do que em casa.
Tenho uma filha de um ano e três meses. Quando ela nasceu eu estava em uma obra em Matinhos, 15 dias depois eu fui pra lá. Foi complicado, vejo ela pelo celular. Passo muito tempo viajando, não é fácil. Quando eu vou pra lá, é a melhor coisa que tem. Pra voltar é complicado, a pessoa vem porque é o jeito, mas qualquer coisinha pode ficar lá.
Outras histórias não têm notícias tão boas assim, como Adenilton que no fim do ano passado enfrentou o fim do casamento. O baiano disse que a esposa aceitou que ele passasse o tempo fora trabalhando. Ele saiu de casa a trabalho em 2005, e tenta visitar a família. Mas a última vez foi há dois anos.
Estou acostumado a passar um ano, e até dois anos longe de casa. Eu tive que vir porque ela [esposa] tinha uns problemas de saúde, e decidimos que eu ia passar um longo tempo fora trabalhando. Ela aceitou e tínhamos 22 anos de casados. Eu não consegui ir em dezembro, e ela se decidiu, disse que eu a abandonei. Já tentei levar ela para onde eu vou, mas ela não se adaptou. Não me arrependo, a gente não conseguia se manter, eu precisava trabalhar. Converso todo dia com meus filhos, eles pedem para eu ir embora, mas já estão acostumados. Minha opção sempre foi trabalhar longe, só tenho essa profissão.
A decisão de largar tudo para tentar se manter, foi difícil de ser tomada. Mas eles contam que só assim conseguem ter estabilidade e dar outra perspectiva para a família que está longe. Se engana quem acha que o tempo de reencontro das famílias está perto, se seguir o tempo da obra da Tree Tower, a previsão é oito meses. Quando se vê tudo pronto, é de se imaginar que os trabalhadores tenham uma sensação única, mas para Evandro não é assim.
Quando eu termino é mais um prédio, mais uma obra. As mulheres dizem que todos os homens são iguais, é mentira. Todos somos diferentes, cada pessoa é única. As pessoas só comparam os defeitos de um com o outro. Um prédio não, a composição é a mesma, os materiais muitas vezes são os mesmos. O que muda são os modelos, mas no fim eles são iguais.
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