22/08/2023
Cotidiano Guarapuava Saúde

Se você ainda não se deu conta, eu conto: a vida é só um sopro!

"Quando se demora, chega aqui e não conseguimos fazer mais nada. Vai pro tubo e nem sempre consegue viver. Faça isso. Alerte o povo", disse uma enfermeira

gilson covid

“Quando se demora, chega aqui e não conseguimos fazer mais nada. Vai pro tubo e nem sempre consegue viver. Faça isso. Alerte o povo”, disse uma enfermeira (Foto: Arquivo Pessoal)

Há praticamente 18 meses, os quatro cantos do mundo estremeceram com a pandemia de covid-19. O mundo mudou. A órbita é outra. Ou deveria ser. Quando a doença está longe, a gente já sente a dor do outro. Tenta aos menos ter empatia, se colocar no lugar e imaginar a dor de ver o desespero por um cilindro de oxigênio que não chega, por uma vaga de UTI que não existe, ou ouvir o grito dos familiares que acabaram de perder alguém. São sons terríveis, dilaceram corações e ainda ecoam na mente de todos, diariamente.

São quase 487 mil brasileiros mortos. Negligenciados. Muitos colegas de profissão partiram precocemente. Alguns, apenas conhecidos. De qualquer forma, meu respeito até para quem eu não conheço, nem conheci e não resistiu à infecção. Sabe, a família fica em frangalhos. Ver os pais suplicando pela vida do filho.

São missas, orações, terços, correntes de oração, de luz, de energias positivas. Mas sabemos que existem tantos outros filhos, pais, avós, netos, esposos, esposas pelo mundo de meu DEUS. Todos passando pelo mesmo. Cada rosto tem uma história, faz parte de uma família. E não é um número. Somos seres humanos. Não somos números. E na minha família, meus pais tiveram a preocupação comigo também.

DOR DA FAMÍLIA

Como disse minha mãe, “é o fardo do mundo nas costas. O mundo desaba filho. Qualquer mãe trocaria de lugar com o filho nessa doença. A dor de ver um filho, com covid-19 é algo que dói demais. Mas a gente vai vencer”. Mesmo católicos fervorosos e com fé e esperança, a fala de minha mãe e do meu pai, resume o medo sim. A perda, a morte, a despedida sem dizer tchau.

(Imagem: Reprodução/Paho)

Em todos esses meses, milhares de famílias ficaram enlutadas. Quanta gente irresponsável, fazendo como diz a música ‘Deixa a vida me levar’, como lembra a letra de Zeca Pagodinho e Maria Bethânia. Mas não dá para ser assim. Quantas reportagens escritas, quantas lágrimas a cada linha, a cada história interrompida. Nós jornalistas também sofremos a cada história contada. Há quem pense que somos insensíveis, que buscamos a tragédia a todo custo. Como gostaríamos de dar apenas notícias boas.

Que sonho seria. Mas não. Não depende da gente. Buscamos a notícia. Só queremos educar, alertar e informar. Abrir os olhos de quem ainda insiste em se cegar e não enxergar o que ocorre. E não aguentamos mais escrever sobre morte, sobre festa clandestina, sobre desrespeito, sobre ignorância, sobre violência, sobre absurdos que defendem o fim do uso de máscara, que incitam o fim do isolamento social, e incentivam o uso de medicamento comprovadamente ineficaz (desde maio de 2020) por quem estudou para tal e que o mundo já virou a página, etc, etc, etc.

NEGACIONISMO

Mas no Brasil, estamos atrasados pelo menos seis meses perante o planeta. Mais de R$ 23 milhões gastos com publicidade e campanhas de medicamentos não eficazes do tal tratamento precoce. Falta de comando nacional de um alinhamento com estados e municípios. Frequentes desmandos no Ministério da Saúde, com trocas constantes de ministros. Guerra política e de ego. Como disse um médico esta semana para mim na Upa: “Você quer tratamento de verdade ou de mentira? De verdade não existe. De mentira você sabe qual é”, se referindo ao Kit Covid-19. Enquanto isso, os laboratórios fabricantes de vacina oferecendo lotes de vacina, e o Brasil ignorando os pedidos. Deixou na gaveta. Estávamos e ainda estamos na contramão do mundo.

E fomos cada vez mais sabendo que só a ciência e a vacina nos podem salvar dessa doença. O negacionismo que aqui no Brasil ainda impera por parte dos governantes e de uma população que insiste em defender o indefensável. Penso que para agir dessa forma, essas pessoas além de desinformadas, não sentiram a doença na própria pele ou não viram algum familiar sucumbir à doença. Não é possível pensar diferente, quando nem empatia se faz presente. Mas meu objetivo aqui como jornalista que sou não é polemizar. Não é colocar ponto final numa história que começou errada em nosso país e que ainda tem muito para terminar, caso os rumos não sejam alterados.

Temos hoje apenas 11% de uma país gigante com as duas doses da vacina. E longe de ver o fim disso tudo, vemos e ouvimos o absurdo “para que deixemos de usar máscara”. Se tem uma coisa que deve ser a última a deixarmos de usar são as máscaras. Elas são baratas, têm eficácia comprovada e mais que isso: não dificultam a economia. Porque não usarmos, então? Vamos usar sim, vamos manter o distanciamento possível, vamos dizer não aos negacionistas que insistem em abusar e fazer festas clandestinas.

Upa do Primavera (Foto: Arquivo Pessoal)

MINHA HISTÓRIA

Mas feito o desabafo que preciso para poder voltar a respirar, já que tenho muito a dizer ainda, quero deixar meu relato pessoal. EU VOLTEI! Eu fui pro hospital, mas voltei. E por isso, preciso alertar com essa nova chance que me foi dada, de viver novamente, de dizer: NÃO BRINQUEM MAIS. CHEGA! Sempre levei essa pandemia a sério, desde março de 2020. Nunca abusei. Sempre me cuidei. Mas as coisas nem sempre dependem só da gente. Um descuido, e tudo vai por água abaixo.

Assim, percebi que algo não estava normal. Os médicos dizem que a doença pode aparecer com 4, 5, 7 e até 14 dias após a contaminação. Depende do organismo, da resistência, enfim, de muitos fatores. Eu me isolei no dia 17 de maio, dois dias antes do decreto oficial do ‘lockdown’ em Guarapuava, 19 de maio. Entrei em home office no dia 21 de maio. E já estava contaminado, sem saber. Demorou para aparecer. Mas foi às 7h da manhã do dia 31 de maio, que senti o primeiro sinal de alerta. Me levantei para tomar banho e senti um calafrio. Sabe aquele que treme o corpo todo? Foi assim.

Aquilo me deixou em alerta imediato. Tomei banho, tremendo debaixo da água quente. Saí, tomei café e um Paracetamol. Naquele mesmo dia, percebi que minha temperatura subiu. Minha vizinha então me emprestou um termômetro digital e o oxímetro para medir a saturação. Ainda não tinha comprado o meu. A temperatura estava 37,5 graus. Saturação 96/97. Estava tudo sob controle, aparentemente.

COMO TUDO FOI ACONTECENDO

A noite tive muita sudorese (suor intenso). Amanheci na terça (1) de junho e estava ‘normal’. Temperatura por volta de 36,5 graus. Saturação igual. Garganta deu um sinalzinho de que queria arranhar um pouco. Mas sem inflamação, sem nada. Só aquele ‘Rãn-rãn’ que fica na garganta. E assim trabalhei toda a terça. Sempre averiguando temperatura e saturação.

Mais uma noite de sudorese intensa. Na quarta (2) pela manhã, a temperatura aumentou. Tomei Paracetamol e Nimesulida para a garganta e continuei a monitoração. Temperatura subiu à noite para 38,6 graus. Febre. Suor. Suava gelado, frio. Mas não tinha dificuldade em respirar. Mas não descuidei. Eu sentia algo diferente de tudo o que já tinha sentido em resfriados ou gripes já enfrentados.

Na minha cabeça, estava mais que certo. Eu estava contaminado. Comecei a perder o apetite. Mal estar geral pelo corpo, dores como se um trator tivesse passado por cima dos ossos. Cansaço. Na quinta (3) fiz contato com o Call Center da Prefeitura. Contei o que ocorria e prontamente fui agendado para fazer o exame RT PCR via Drive Thru no ginásio Joaquim Prestes já na sexta (4) às 14h. Todo atendimento em todos os momentos foi gratificante. Sempre com respeito e atenção de cada um que falou ou passou por mim.

CALL CENTER

O médico do Call Center pediu que eu mantivesse o que estava tomando. Mas que a qualquer sinal diferente, que voltasse a falar com eles. A febre baixou na sexta (4). Saturação 95/96. Estava tudo ‘sob controle’. Mas a doença é traiçoeira, vira de uma hora para outra. Fim de semana de plantão de trabalho, trabalhei intensamente. Escrevi muitas reportagens, inclusive de festas clandestinas em Guarapuava e Região. No sábado (5), senti cansaço. Foi o primeiro sinal mais forte de que algo não estava legal. Só queria cama. Precisei parar de escrever e dormir. Mas mantive a monitoração.

Upa do Primavera (Foto: Arquivo Pessoal)

Não tinha febre, mas me sentia apático e sem muitas forças. Cansaço corporal. Ainda não era cansaço para respirar, era algo de canseira no corpo mesmo. Mas no domingo à noite (6), quando completava o sétimo dia do primeiro sintoma (digo isso porque eu já tratava na minha cabeça que estava doente e com covid-19, mesmo sem saber o resultado do exame), eu sabia que este seria o dia em que se realmente eu estivesse com a infecção, poderia ter a piora.

Pelos relatos dos médicos, pacientes e profissionais de saúde, a piora quando ocorre, em muitos casos surge entre o 7º e o 10º dia. Só esperei, monitorando. E no domingo (6), bingo. Um dia antes já havia inclusive avisado minha família em São Paulo, de todos os passos que eu enfrentava em Guarapuava. Mas não queria deixa-los ainda mais preocupados. Disse para meus pais: “Eu tenho quase certeza que estou contaminado, nunca senti o que estou sentindo. Amanhã domingo (6) completo sete dias. Então poderei entrar na fase mais crítica”.

UPA DO BATEL

É preciso estar vigilante, consciente e deixar todos a postos que possam ajudar. Na noite do domingo, não pensei duas vezes. Voltei a falar com o Call Center que me direcionou para consulta presencial na Upa do Batel. Não havia ninguém para acolhimento naquele momento, via APP Fala Saúde. Fui atendido rapidamente. Uma sensação de medo também em entrar num espaço exclusivo para o tratamento da doença mortal. Eu sabia que muitos entraram ali, mas nem todos saíram vivos. O mesmo no Hospital São Vicente e no Hospital Regional.

O médico me atendeu, após acolhimento. Saturação 97, Pressão Arterial 12×8, temperatura 37 graus. Fui para o Raio-X do tórax. Frente e lateral. Em um minuto, a imagem já estava digitalizada e disponível na tela do computador do consultório do médico, que não me recordo o nome, mas que me atendeu com respeito e atenção. Dr. Hernandez, se não me engano. Ele me disse: “Você tem duas infiltrações nas partes inferiores dos dois lados do pulmão. Cerca de 10% de acometimento. É grave? Não dá pra saber como você vai evoluir. Pode regredir ou aumentar”.

NÃO AO TRATAMENTO PRECOCE

Ele me passou alguns medicamentos deixando claro, que não existia tratamento precoce, apenas medicamentos para combater sintomas. Além disso, ele disse: “Não receito Hidroxicloroquina, nem Ivermectina”. E mesmo que tivesse indicado, não tomaria porque sei que não tem eficácia. Mas o médico passou Vitamina C, Spray Bronquiodilatador, Xarope e Antibiótico. Peguei os medicamentos na Upa mesmo. So vitamina C comprei na farmácia. E o médico ainda disse e repetiu o mais importante: “Volte quantas vezes forem necessárias. Em caso de saturação baixa (já havia comprado o oxímetro), em caso de falta de ar ou dor nas pernas, venha, quantas vezes precisar. Esses são sinais de agravamento da doença”.

UPA DO PRIMAVERA

Voltei para casa, tomei medicamentos, me hidratando muito, me alimentando bem, descansando. Dormi bem. Mas na segunda (7) pela manhã, eu entrava no oitavo dia. Ainda não tinha resultado do exame. Mas como disse, já esperava e tratava como covid-19. E logo cedo, por volta das 9h30, percebi a saturação caindo. Se no domingo estava em torno de 96, na segunda cedo já estava no máximo em 90/88. E ai comecei a sentir dificuldade em respirar.

Eu já sabia o que vinha pela frente. Imaginava ao menos. Não queria que estivesse acontecendo o que aconteceu. Mas não tinha como. Entrei no App Fala Saúde e vi que na Upa do Primavera, o acolhimento era de duas pessoas apenas. Peguei o carro e fui para lá. Cheguei e fui atendido em menos de 5 minutos. Saturação 94, pressão 11×7, sem febre. Mas com desconforto para respirar. O médico então viu pelo sistema meu Raio-X da noite de domingo (6) feito na Upa do Batel, e sugeriu um novo.

OS EXAMES

Antes fiz hemograma na Upa do Primavera e como tinha condições de dirigir, fui com encaminhamento para a Upa do Batel, refazer Raio-X do tórax. Retornei por volta do meio-dia à Upa do Primavera. Gente chegando, gente sendo levado para dentro na cadeira de rodas, no oxigênio. E eu esperei, esperei. Como o volume de exames de sangue era grande, o laboratório responsável não dava conta. O Raio-X já estava com o médico, mas para me diagnosticar com exatidão, precisava do hemograma. Assim, o diagnóstico estava incompleto.

Neste intervalo, recebi uma mensagem do App Fala Saúde. Era o resultado do exame RT PCR: POSITIVO. Agora, oficialmente, eu fazia parte da estatística dos brasileiros contaminados pelo coronavírus.

(Imagem: Reprodução/App Fala Saúde)

PEDIDO DE INTERNAÇÃO

Às 16h30 chegou o resultado do hemograma. E o médico – que me atendeu como todo ser humano merece ser tratado, me disse: “Ainda não consigo ver direito, está em formação a sua lesão pulmonar. Seu hemograma não apresenta grandes alterações”. E me alertou que fizesse uma tomo na rede particular, já que na Upa não tinha o aparelho. Na oportunidade já avisei que tinha positivado. O resultado acabara de chegar antes que eu entrasse no consultório.

Ele disse ainda: “Se sua saturação baixar de 93, volte imediatamente. Mas antes mesmo de me levantar da cadeira, com cansaço para respirar, pedi que ele reavaliasse minha saturação. E estava em 90%. Ele não me deixou sair mais. Fez imediatamente o pedido de internação. Como é difícil ler na ficha: “EMERGÊNCIA/URGÊNCIA – PEDIDO DE INTERNAÇÃO – RISCO DE VIDA”.

Do consultório já fui levado para outra sala onde estavam três pessoas. Dois jovens e uma mulher de uns 60 anos no máximo. Todos no oxigênio. Aquele era meu novo lugar. Minha pressão subiu foi pra 16×10. Nunca tive pressão alta, mas a doença mexe em tudo. Glicose de 75 estava 135. Mas eles disseram, que eu não me preocupasse, que a doença alterava mesmo. Saturação ficou na faixa de 95. Ali esperaria uma vaga de enfermaria onde surgisse. Já era por volta das 17h30. Uma das injeções que precisava tomar estava em falta na Upa devido à demanda altíssima. Então uma enfermeira chegou até mim e perguntou se eu tinha condições de comprar. Disse que sim. Ela providenciou a receita enviei por foto para um amigo que comprou o levou o medicamento para a Upa.

AGUARDANDO VAGA NO HOSPITAL

A paciente mulher que estava lá quando cheguei foi transferida. Que alegria. Por volta das 20h30 foi o Márcio, que já estava lá havia dois dias aguardando uma vaga de enfermaria. Tinha o Valdir também, bem jovem. Também estava a espera de uma vaga, mas estava ‘bem’ também. Ninguém tão grave, mas todos no oxigênio, precisando de cuidados como eu.

O Márcio foi para o HR assim como a mulher que estava lá quando entrei no quarto. Ficamos eu e Valdir. Mas logo chegou o Célio, outro jovem também esperando uma vaga no hospital. E mais duas mulheres ficaram tomando soro e medicamentos sentadas em duas cadeiras em frente nossas camas. Tomei injeções, estava no oxigênio com 3 litros por min. Estava sendo medicado até que surgisse uma vaga em algum hospital.

Já em casa (Foto: Arquivo Pessoal)

FRAGILIDADE EMOCIONAL

Quero deixar meu carinho especial a todos das duas Upas, mas não consigo citar os nomes. Me lembro da Dilva, que falou da injeção que comprei e que me avisou também da transferência. E Maria, mãe do meu ex-aluno de jornalismo Kleber que trabalhava lá no momento que eu cheguei, e que me atendeu com muito carinho. Gratidão. Quanto cuidado no momento de maior fragilidade emocional e humana na nossa caminhada terrestre.

Os sinais vinham de todos os lados. De repente ouvi orações, coro de vozes entoando cânticos religiosos, cristãos. Não teve como segurar as lágrimas. O soco no estômago dá a dimensão da gravidade do momento. Não tinha como. A gente desaba mesmo. Vieram na janela em que eu estava orar e cantar para quem eles nem sabiam quem eram. Eu era um deles. Existe amor maior? Sair de casa, se arriscar mesmo do lado de fora de uma unidade de saúde de tratamento específico da covid-19, no frio da noite, para levar DEUS, FÉ, ESPERANÇA para quem mais precisa? Amar o próximo como a si mesmo. Maior ensinamento deixado pelo Criador.

Aguardando vaga em hospital, na Upa do Primavera (Foto: Arquivo Pessoal)

ORAÇÕES NA UPA

A essas pessoas, gostaria muito de dizer olhando nos olhos: obrigado. Não sei quem são. Mas tudo bem. Vocês sabem que levaram um pouco da cura espiritual e para o corpo nosso também. Não me importa a religião. DEUS é só um. E era a ELE que clamavam por nós no leito daquela enfermaria. E ainda naquela noite, me lembro: “Gilson, saiu seu leito no Hospital São Vicente. Alegria minha, alegria estampada na carinha e na voz dos enfermeiros e auxiliares. Graças a DEUS, graças a DEUS, dizia uma delas. Vai dar tudo certo Gilson. Já já a ambulância vem te buscar”.

Mais uma vez, levantei meus olhos e agradeci. Gratidão aos envolvidos. Vocês sabem como me ajudaram. Vocês sabem o quão foram fundamentais, com orações, com pedidos e solicitações de urgência. Por volta das 23h30 mais ou menos eu saia da Upa do Primavera rumo ao Hospital São Vicente. Cheguei e fui levado direto para o ambulatório covid-19, com todo equipamento necessário. No meu entendimento estávamos em três com a minha chegada. Separados por cortinas entre camas. Eu sentia muito frio, sudorese intensa. Eu estava molhado. Precisei de quatro mantas para me aquecer.

TRANSFERÊNCIA PARA O HSV

Oxigênio ligado em 11 litros por min. Saturação em 96. Não tinha febre. Foram muitos exames na mesma noite. Um dos piores a gasometria – é um exame invasivo, coleta-se sangue direto de uma artéria. O objetivo pelo que entendi era revelar valores de potencial de Hidrogênio (pH) sanguíneo, da pressão parcial de gás carbônico (PaCO2 ou pCO2) e oxigênio (PaO2). Assim, o sangue é retirado da artéria. Além desse fiz também várias vezes, a retirada de sangue da veia para hemograma – aquele procedimento usual.

É dolorido e todos os dias eram duas vezes. Mas isso não era nada perto de quem estava lutando pra viver. As enfermeiras até já sabiam….hora do exame dolorido Gilson. Mas eu ajudava sim, ficava olhando e elas são testemunhas que eu falava, vai aqui, enfia mais ali que o sangue aparece. Vai neste braço, enfia mais fundo. E dava certo. Foram muitas injeções para evitar trombose, para desinflamar, acesso nas duas mãos, e exames, exames, exames. As fisioterapias também se fizeram presentes duas vezes aos dia pelo menos. Como esses profissionais têm dedicação e paciência com a gente.

No quarto, no Hospital São Vicente (Foto: Arquivo Pessoal)

DIAS NO HOSPITAL SÃO VICENTE

Na madrugada de segunda (7) para terça (8), fiz a primeira tomo do tórax. Na terça recebi a primeira visita do Dr. Giovani. Ele disse que a imagem ainda estava como dizem no termo técnico em ‘vidro fosco’. Que não tinha como mensurar meu futuro. Era tudo incerto, pra ser honesto. Ou seja: poderia melhorar ou evoluir para uma piora. Covid-19 é isso. Um mundo de incertezas. Não existe tratamento precoce. Existe prevenção. Depois, é depois. Tudo é incerteza.

Mesmo assim, ele me disse: “Eu tenho boa expectativa com você, Gilson. Você se cuida, treina fisicamente todo dia, eu te acompanho, te conheço. Sei que tem alimentação saudável, e correu rápido. Está com 11 litros por min de oxigênio. Amanhã quero ver mais baixo, depois mais e mais. E ainda na terça (8) já estava em 8 litros por min. E toda a rotina se repetiu diariamente até esta sexta (11), quando fui a apenas 2 litros de oxigênio por min. Que alegria poder fazer as coisas mais simples da vida. Sair da cama, tomar um banho mesmo que sentado em uma cadeira, lavar o cabelo. RESPIRAR…..E RESPIRAR!

Vi pessoas recebendo alta, ouvi buzinaços, ouvi gemidos e choros. Como esses profissionais são incansáveis. Peço a esses anjos que aguentem mais um pouco, que agora já um pouco melhor, estarei no coro de orações pelos doentes e por vocês também. Um dos rapazes que esteve comigo na segunda, não resistiu. A morte ao lado como nunca esteve, assusta. Mas não somos desse mundo. Estamos apenas passando por ele. E tudo nos fortalece.

ALTA HOSPITALAR

Na Sexta (11) voltei para casa. Já tinha um cilindro gigantão aqui me esperando de oxigênio. Comida fresquinha e forte para eu me alimentar.

Hospital São Vicente (Foto: Arquivo Pessoal)

UM PEDIDO DOS PROFISSIONAIS DE ENFERMAGEM

Antes de deixar o HSV, uma enfermeira me disse: “Gilson, você é uma pessoa pública, todo mundo gosta de você e te conhece pela seriedade de sua carreira. O jornalista da nossa cidade. Sei que você se cuidou, mas aconteceu. E você está saindo, vivo, se recuperando, porque você não esperou. Escreva uma reportagem alertando as pessoas que não brinquem, que busquem ajuda imediata, que não posterguem atendimento médico. Quando se demora, chega aqui e não conseguimos fazer mais nada. Vai pro tubo e nem sempre consegue viver. Faça isso. Alerte o povo. Tem gente que ainda não acredita, alguns abusam, ficam enrolando em casa, acham que se um da família se curou, que vai se curar sozinho. Mas cada um é cada um. Saturação baixou, tem febre, corre. Faz isso por nós?”

CLARO QUE FAÇO. Sempre alertei em redes sociais. Sempre fui defensor da medicina, da ciência, vocês bem sabem. E vou continuar a bandeira da VIDA contra a MORTE, contra o NEGACIONISMO. Contra o que estamos vivendo – o vírus invisível e o vírus visível – existe a CIÊNCIA, a VACINA, o RESPEITO e o AMOR ao PRÓXIMO. Enquanto eu escrevo esse relato que espero que chegue aos mais distantes lugares da nossa Guarapuava, do nosso Paraná, e porque não do Brasil, estou conectado ao oxigênio. Respiro com o auxílio do oxigênio. Mas não há tempo para perder.

Domingo (13) pela manhã, dia de Santo Antônio. Repousando em casa, em recuperação (Foto: Arquivo Pessoal)

É preciso respirar…respirar…respirar. Porque o amanhã não existe. O futuro é agora. E é por isso, que a vida é menos que um sopro. É uma brisa. Tão leve, tão leve, mas o suficiente para derrubar uma folhinha do caule de uma árvore. Consegue perceber o quão fracos nós somos?

Por isso, diga o quanto ama enquanto há vida, enquanto há saúde. Perdõe, se perdõe. Agradeça. Faça votos de uma vida mais serena, mais justa, mais honesta e feliz. Menos ostentação, menos ego, mais fraternidade e solidariedade. A VIDA É UM SOPRO, UMA BRISA QUE PASSA E NOS LEVA JUNTOS.

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Gilson Boschiero

Jornalista

Possui graduação em Jornalismo, pela Universidade Metodista de Piracicaba (1996). Mestre em Geografia pela Unicentro/PR. Tem experiência de 28 anos na área de Comunicação, com ênfase em telejornalismo e edição. Foi repórter, editor e apresentador de telejornais da TV Cultura, CNT, TV Gazeta/SP, SBT/SP, BandNews, Rede Amazônica, TV Diário, TV Vanguarda e RPC. De 2015 a 2018 foi professor colaborador do Departamento de Comunicação Social da Unicentro - Universidade do Centro-Oeste do Paraná. Em fevereiro de 2019, passou a ser o editor chefe do Portal RSN.

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