Gabriel e Tunico fazem parte das novas gerações que seguem honrando o sistema antigo (Fotos: Mayara Maier/Portal RSN)
*Reportagem com vídeo
*Reportagem escrita em conjunto com a jornalista do Portal RSN, Mariana Valente
Não há como negar, mesmo com tantas mudanças ao longo do tempo, Guarapuava segue sendo uma cidade que mantém as tradições. Desde o bom chimarrão, os bailes de domingo nos Centros de Tradição Gaúcha (CTG) até as festas tradicionalistas. A cultura campeira segue marcando presença.
Se engana quem pensa que apenas os mais ‘antigos’ cultivam esses costumes. Quem frequenta o CTG Fogo de Chão sabe do que estamos falando. Lá, a ‘meninada’ mostra que as novas gerações não estão para brincadeira e têm o xote e a vaneira na ponta dos pés. Porém no caso de Gabriel de 11 anos e do Tunico de nove, o ritmo está na ponta dos dedos.
Quando perguntado aos dois meninos o que eles preferem fazer entre brincar e tocar os instrumentos, a resposta é rápida. Subir ao palco é o que esses dois querem para o futuro e mesmo com personalidades totalmente diferentes, o amor pela música os coloca na mesma sintonia.
Enquanto Antonio ou ‘Tunico’, como é carinhosamente chamado pela família, é comunicativo e expansivo, Gabriel é observador e introspectivo. Tunico desde bebê tem a música presente na vida dele, já que o avô tocava violão e cantava. No caso de Gabriel, uma gaita do marido da avó fez com que a paixão pelo instrumento nascesse.
PRIMEIROS ACORDES
Os primeiros acordes dos ‘piazitos’ aconteceram de maneiras diferentes. Tunico, começou a ensaiar as primeiras notas no violãozinho de brinquedo aos dois anos inspirado no avô. A mãe, Mariangela de Lima, conta que Antonio ficava encantado enquanto ouvia o avô, o popular Renato do PT.
No entanto, em 2015, o pai de Mariangela os deixou. Para não abandonar a tradição das rodas de música em casa, ela e a irmã começaram a ter aulas com o professor e músico Valdecir Cristo.
Eu achava que ia aprender. Toda vez que a gente se reunia tinha que correr atrás de violeiro. Então eu pensei ‘chega dessa história de ficar atrás de músico’. Nisso o Tunico perguntou ‘e eu?’. Então eu respondi ‘você só vai entrar na aula de violão depois que aprender a escrever’.
Contudo, isso não demorou muito. Mariangela conta que certo dia Tunico chegou até ela e entregou um papel, ‘’eu nunca vou esquecer, ele tinha escrito ‘pão’”. Então, de aluna, Mariangela se tornou a fã e incentivadora número um do filho que dedica os dias ao aprendizado do violão, baixo e mais recentemente, do ukulele.
No entanto, mãe e filho têm um combinado. “Ele tem que estudar. Mesmo que ele vá fazer faculdade de música, mas ele tem que fazer. Pode fazer carreira e tudo, mas tem que ter uma segurança que é a faculdade”. Por isso, Tunico pode fazer aulas de violão e baixo, desde que tire boas notas na escola.
Mas se engana quem pensa que no ambiente escolar o ‘gauderiozinho’ se desliga da música. Sorridente, Tunico contou ao Portal RSN que assim que termina as tarefas fica imaginando o momento em que vai poder chegar em casa e tocar os instrumentos. “É até engraçado. A gente para e fica só pensando nisso. Não consigo pensar em outra coisa”.
Já Gabriel começou a se interessar pela gaita aos quatro anos. De acordo com o pai, Claudio Ribeiro, a vontade de tocar o instrumento surgiu quando ele viu uma gaita na casa da avó. Daí em diante, apenas o tamanho da gaita mudou e, segundo o pai, cada vez ele quer “um instrumento melhor”. A primeira canção que ele aprendeu a tocar foi “Rosa Branca”. Contudo, ele só começou a fazer aulas em 2019.
Conforme Claudio, a família não têm a cultura gaúcha presente dentro de casa. Mas após Gabriel demonstrar interesse, passaram a frequentar o CTG para acompanhar o filho. A primeira vez dele em um baile foi com o menino. Agora, além de tocar junto com o Tunico nos bailes, ele também leva a gaita para embalar festas de aniversário e reuniões de família.
Todo mundo fica babando nele.
Ao ser questionado do que quer fazer quando crescer ele não hesitou em dizer que também quer subir aos palcos para ser músico, ou melhor, ‘gaiteiro’. E apoio não falta para isso.
ORGULHO DE SER CAMPEIRO – COMPARTILHANDO CONHECIMENTO
A nossa cultura é uma soma das tradições, dos costumes e dos valores sociais. Como dizia Luís Meneses, ‘a tradição não tem medo do tempo’. Por isso, é necessário que mais pessoas sigam plantando a semente na ‘criançada’, para que esse estilo de vida continue passando de geração em geração.
Quem faz isso, além da família, são os professores dos meninos. Eles fazem parte de conjuntos que tocam música gaúcha, como o ‘Comando Gaúcho’. Everton Teixeira toca gaita e também compartilha com outras pessoas esse conhecimento há mais de 13 anos. Para ele, ensinar crianças é ainda mais fácil, pois elas aprendem rápido e não têm medo de errar.
Para o Gabriel eu passo a música e basta olhar duas vezes que ele já sai tocando. E agora ele já chega com uma lista que ele tem vontade de aprender, ‘tá’ me apurando já. Tenho que ‘me virar nos 30’.
Contudo, Everton tem alunos com até 70 anos de idade e conta que o que faz toda a diferença nas aulas, é a força de vontade do aluno. Já Valdecir Cristo toca baixo, violão, viola caipira, ukulele e também canta. Se apresenta em CTG’s há mais de 20 anos, porém como professor de música atua há 10 anos. De acordo com o músico, ele já ensinou muitas crianças. Mas como o Tunico, ele conta que nunca viu igual.
Ele é um ‘gurizinho’ que dá pra dizer que já veio pronto. É muito fácil trabalhar com ele.
ENTRE A TRADIÇÃO E A MODERNIDADE
Cantando e tocando música sertaneja, os meninos tem orgulho de pertencer a essa cultura e seguem “honrando o sistema antigo”. Mas se engana quem acha que os guris foram ‘criados em galpão’ no modo “xucro e bagual”.
Tunico é antenado nas redes sociais e além do perfil no Instagram onde compartilha vídeos das apresentações, também tem um canal de pesca no YouTube junto com o irmão mais velho. Já Gabriel gosta de jogar futebol e está ligado nos jogos do momento. Segundo o pai, ele gosta de ficar no celular e no videogame, mas a gaita nunca fica de lado.
No CTG, quando os dois sobem ao palco o público abandona a pista de dança só para assisti-los. Neste momento, a timidez não impede que os dedos ágeis de Gabriel dominem as teclas da gaita enquanto ele fica atento a plateia. Já Tunico, de chapéu, bota e bombacha, além de dominar o baixo, que é maior que ele, também assume os vocais.
Nesse espaço eles se sentem em casa. Serenos e calmos os dois ‘piás’ veem a experiência como uma brincadeira, como conta Valdecir.
Eles sobem no palco e brincam de tocar. Não é que nem a gente que coloca uma pressão. A gente enquanto profissional faz isso. Eles não.
Dessa maneira, é assim que os dois garotos estão crescendo e desenvolvendo o lado artístico, rodeados de muito cultura e tradição. Portanto, para quem quiser conferir os dois, eles se apresentam periodicamente nas domingueiras do CTG Fogo de Chão com o Grupo Comando Gaúcho.
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