Da Redação, com informações da AEN
Curitiba – A promessa de ganhar até R$ 1 mil por dia fazendo programas nas ruas de Curitiba, levou a transexual Valéria, a sair do Nordeste e chegar à capital paranaense no dia 07 de março de 2017. Porém, a realidade enfrentada por ela e outras 20 mulheres, foi bem diferente. Valéria, cujo nome é fictício, se tornou escrava de seus aliciadores. Tudo era cobrado, desde o copo de água que bebia (R$ 2) até o banho que tomava (R$ 15). Com isso, a dívida se acumulava e ela era impedida de sair da casa, além de ser obrigada a se prostituir e entregar no mínimo, R$ 250 por noite. Caso contrário, voltava para a rua até levantar essa quantia.
O caso de Valéria e de outras mulheres foi descoberto pelo Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Paraná, a partir de denúncias recebidas. Na casa onde Valéria era mantida, foram encontradas outras 20 mulheres, vindas de diferentes regiões do país. Detalhes da localização da casa e da situação das demais meninas são mantidas em sigilo para não prejudicar as investigações que estão sendo conduzidas pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco).
PROMESSAS
A vítima conta que saiu do Nordeste no dia 7 de março. A passagem de avião foi comprada pela aliciadora, que se apresentava como 'Bruna Marquezine'. “Ela pagou tudo e me dizia o tempo todo que eu conseguiria tirar até R$ 1 mil por dia de trabalho, que teria alguns custos, mas que ganharia bem mais do que ganhava me prostituindo na minha cidade. Eu não tenho família. Resolvi arriscar a sorte”, relatou.
Quando chegou ao Paraná, Valéria percebeu que havia sido enganada. “Cheguei numa casa precária, suja, com goteiras e várias outras meninas. Era vigiada o tempo todo. O que me salvou foi ter escondido meu celular para tentar pedir socorro”.
EXPLORAÇÃO
Logo Valéria percebeu que era quase impossível sair da casa. Era preciso quitar uma dívida – que somava R$ 2 mil no dia da sua chegada – para voltar a ser livre. Além disso, tudo o que era consumido na casa era cobrado das meninas: um copo de água custava R$ 2; tomar banho, R$ 15. A dívida crescia diariamente. As meninas eram obrigadas a se prostituírem das 16h até o outro dia de manhã.
“Se não chegasse com R$ 250 em casa, eles mandavam a gente voltar pra rua”, conta. Segundo ela, eram necessários cinco programas por noite para chegar à quantia.
Cerca de dez dias depois de chegar ao Paraná, Valéria conseguiu colocar créditos no celular e entrou em contato com uma pessoa que milita pela causa LGBT. Esta pessoa fez a denúncia ao Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Paraná.
O secretário da Justiça, Trabalho e Direitos Humanos, Artagão Júnior, disse que, no mesmo dia em que recebeu a denúncia, o Núcleo acionou a Polícia Civil, a Polícia Federal e o Ministério Público. “É um trabalho delicado, envolve investigação, vários órgãos precisam agir para conseguir libertar uma pessoa de uma situação dessas. Nossa atuação foi a mais rápida possível. Mas para quem está passando por uma situação de cárcere privado, com vários direitos violados, qualquer espera é uma eternidade”, afirmou.
No dia 3 de abril, Valéria saiu para fazer programa e foi resgatada pelo Ministério Público, que providenciou imediatamente abrigo e alimentação à vítima. No dia seguinte, ela embarcou de volta para casa.
DENÚNCIAS
Só este ano, o Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Paraná já recebeu 25 notificações de casos de pessoas traficadas. Em todo ano passado, foram 10 denúncias. O aumento no número de casos é resultado da Campanha Coração Azul promovida pela Secretaria da Justiça, Trabalho e Direitos Humanos para estimular as delações. Prédios públicos foram iluminados de azul, seminários foram promovidos, além da distribuição de materiais educativos e blitz educativas, tudo para sensibilizar a população para contribuir com a causa.
De acordo com o secretário Artagão Júnior, o tráfico de pessoas é um crime silencioso, que retira da vítima a própria condição humana ao tratá-la como um objeto que pode ser vendido, trocado, transportado e explorado.
“O que chama a atenção é a vulnerabilidade comum às vítimas. Todas as pessoas que acabam traficadas estão em busca de algo melhor. A ânsia de mudar de vida, de fugir de uma realidade, de ter uma oportunidade melhor, cega a pessoa e ela se torna uma vítima. Existem grupos, fortemente esquematizados, que se aproveitam dessa fragilidade, muitas vezes momentânea, para explorar, traficar, lucrar em cima de uma pessoa”, alerta Silvia Cristina Xavier, coordenadora do Núcleo.
SERVIÇO
Quem se deparar com casos suspeitos de tráfico de pessoas pode denunciar pelo telefone 181.