22/08/2023
Brasil

Trump: pior do que está, fica

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Existem 700 milhões de pessoas vivendo sob pobreza extrema, segundo o Banco Mundial. Dá 9,5% da população. Em 1990, eram 2 bilhões: 37%. O que aconteceu de lá para cá? Quedas e mais quedas de barreiras tarifárias – nos EUA, na China, no Brasil (que começou a se abrir para o comércio global justamente em 1990).

A abertura causou uma nova revolução industrial por aqui. O produto que mais exportamos para os EUA, fora petróleo, é avião. Avião e peça de avião. Isso corresponde a 8% de tudo o que a gente vende pra eles – contra 4,7% do pré-histórico café, nosso produto de exportação mais tradicional. Vendemos mais turbinas de termelétrica pros EUA do que soja (3,6% das exportações, contra 2%). E tantas escavadeiras pesadas (1,8%) quanto etanol (1,8%).

Tudo isso graças não exatamente aos EUA, mas à China. Enriquecida ela própria pelo livre-comércio com os EUA, virou nosso maior cliente, comprando praticamente todo minério de ferro e soja que conseguíssemos produzir. O dinheiro da soja e do minério não ficou parado. Entrou no sistema financeiro. E ajudou a bancar a tecnologia de ponta que hoje vendemos para os EUA.

Isso custou empregos nos EUA, como diz Trump? Claro que custou. Mas também criou mercado para eles – só os gastos de turistas brasileiros por lá subiu 560% entre 2004 e 2014, chegando a US$ 10 bilhões por ano (cinco vezes mais do que eles gastam comprando aviões nossos). Houve uma mudança na economia americana, não uma derrocada, como Trump vocifera.

O lado irônico dessa história toda é ver brasileiro com viés liberal (tipo eu) gastando tinta para apontar o quanto o livre-mercado é bom não só para o Brasil, mas PARA OS EUA também.

Nisso, Trump foi uma benção. Ao dizer que não, que os EUA são vítima do livre comércio, que só país pobre se dá bem com isso e que aumentar a riqueza per capita no mundo não é um dever dos EUA (e não é mesmo), ele encerra duas décadas de discussão no Brasil. Duas décadas em que a ideia do livre-comércio era tratada como se fosse um plano americano de dominação mundial, principalmente nos círculos acadêmicos.

Mas sobre as teses ideológicas impuseram-se os fatos. Agora que o governo dos EUA tem MESMO um “plano de dominação” (ou seja lá o que for), o primeiro a tomar uma marretada foi justamente o livre-comércio – o sujeito que tirou 30% da população mundial da pobreza extrema.

(*) Alexandre Versignassi é diretor de redação da revista Superinteressante e autor do livro "Crash – Uma Breve História da Economia", finalista do Prêmio Jabuti. 

Cristina Esteche

Jornalista

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