22/08/2023

Tudo foi tentado?

Em 01 maio ‘Getúlio’ – o filme – foi exibido à opinião pública e a milhões de Brasileiros em uma produção  cinematográfica de altíssimo nível. Qualquer historiador ou livro didático de história costuma dar ênfase ao projeto salvífico de Getúlio Vargas que teria tirado sua vida para salvar o Brasil daqueles que queriam o mal deste País, algo messiânico.  O papel inverso, em outros tempos, já foi também verdade, ou seja, pessoas comuns que morreram por uma causa, por uma ideologia, por uma Pátria ou até mesmo por um Partido Político. Assim me permito abordar um tema bastante recorrente na ciência política contemporânea: o fim da militância amorosa ou espontânea, sua transfiguração ou ainda seu apelo ao pragmatismo profissional.

Acredito que vale a pena trazer aqui a frase do general francês de Gaulle. Providencial. Disse que: “Toda política que não faça sonhar está condenada ao fracasso”. Ora, sabemos que no momento em que escrevo estas linhas tal máxima está no mínimo desfocada. Assim, escrever sobre desencanto, desengajamento ou o colapso da militância espontânea é chover no molhado, ou seja,  é insistir no óbvio e naquilo que povoa nosso imaginário.

Mesmo assim, eles ainda existem, porém com novas características e novos desempenhos. Em sua grande maioria, eles estão distantes da política tradicional e mais à vontade com movimentos que contestam a estrutura política. Hoje mais que nunca estamos diante de um eleitor tático que mantém distância de tudo e de todos e um certo grau de autonomia, de independência. A ação política está mais calculista que propriamente apaixonante. Sem empolgação e entusiasmo, deixam transparecer que tudo é estratégico.

Este fenômeno pode ser explicado por um novo paradigma predominante, a saber: a privatização do mundo. Há um amplo alheamento em relação à coisa pública e um grande investimento na satisfação pessoal. Não podemos desconsiderar que uma parcela considerável de brasileiros não se sentem afinados nem com o discurso do atual governo, nem com o discurso daqueles que se opõem ao atual governo e isto se dá também nos Estados e municípios.

Que a política perdeu suas referências tradicionais e caminha na contramão do cidadão, não é nenhuma novidade.

Quem era o militante de outros tempos ? Salvo engano era aquele que se dispunha ao engajamento disciplinado (daí a expressão militarizar) em causas ou lutas de longo prazo. Pode-se ainda visualizar alguns casos, mas totalmente desvinculados da política/poder e mais próximos da política/vida. Há por exemplo militantes apaixonados que lutam para anularmos nosso voto ou desconsiderarmos a Lei eleitoral e , em grande monta, estão atuando nas redes sociais. Gastam muitas horas e um tempo precioso para desconstruir algo ou tentar construir outro algo, porém distantes da estrutura política.

Há uma frase do ex-Presidente Francês Miterrand que serve como pano de fundo para esclarecer nosso fogo baixo. Ele teria dito: “… tudo foi tentado” e “ninguém pode mais nada”. Esta é uma afirmação profundamente desmotivadora que está nas entrelinhas de nosso desinteresse, além de  ser o fel da desilusão.

A televisão transformou a retórica do político para um discurso simplificado que não convence mais, não toca mais, não entusiasma mais.  Perdeu-se a famosa ‘autoridade sagrada’. Assim, quanto mais se utilizam de expressões mais simples, mais direta ou acessível, mais são incompreensíveis. Portanto, estamos diante de um inusitado falar sem conteúdo original ou de um falatório estéril. Os programas eleitorais ‘gratuitos’, exibidos diariamente não nos pilham mais. Torna-se um falar por mero falar ao qual corresponde um escutar que não atenta verdadeiramente ao que se escutou a ponto de se tornar indiferente a quem escuta. Portanto, falta solidez.

Precisamos nos perguntar se  vale a pena defender o que Dilma Roussef, Aécio Neves, Eduardo Campos e outros presidenciáveis  estão defendendo.  Da mesma forma ouso perguntar: ‘Quem desejaria gastar seu precioso tempo por Beto Richa, Gleisi Hoffmann, Roberto Requião, Silvio Barros ou outro candidato ao Governo do Estado  ? Ou ainda ‘quantas pessoas desejariam dar suas vidas por uma  causa ideológica , por uma pauta política ?’. Penso que esta tipologia de cidadão está em baixa. Não acham ? A pergunta que vem é: o que nossos atuais mandatários poderiam fazer ou propor  para recuperar o sentido político e o interesse do cidadão por boas causas ? Não tenho respostas objetivas, mas um bom começo pode ser as declarações sincericídias   protagonizadas por Gilberto Carvalho (ministro da Secretaria Geral da Presidente Dilma Roussef )  e por Marina Silva, candidata a Presidente da república nas últimas eleições. Gilberto ao abordar a questão dos xingamentos à Presidente na abertura da Copa,   recomendou que o PT ‘não parta da ilusão de que o povo pensa que está tudo bem’. Seu alerta é sempre bem-vindo por aqueles que preferem a verdade e pode ser um bom ingrediente de revitalização da boa política. Já Marina, ao se despedir de sua coluna na Folha de São Paulo com muita lucidez escreveu: “Quando a sociedade quer, cria as oportunidades e até faz surgir os personagens para assumir as decisões. (…) Parlamentares antes acomodados criaram coragem para depor um Presidente denunciado por corrupção, um sociólogo liderou a equipe que criou uma moeda nova e estável, um operário mostrou que a economia se fortalece com a inclusão social. Personagens distintos e o mesmo autor: o povo movido por um desejo intenso de mudar”.  Assim, deixando esta reflexão para todos nós concluo com Lipovetski que escreveu:  “o que gera decepção não é tanto a falta de conforto pessoal, mas a desagradável sensação de desconforto público e a constatação de conforto alheio”.

 

 

 

 

Cristina Esteche

Jornalista

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