22/08/2023
Geral

Violência e preconceito assombram LGBTTs

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Jonas Laskouski com Assessoria

(Guarapuava) – A decisão do Supremo Tribunal Federal de reconhecer o registro das uniões estáveis de casais homossexuais, em 2011, retrata a luta dos movimentos LGBT na conquista de direitos. Na lista das tantas vitórias já obtidas junto ao Poder Público, ainda não consta, porém, um dos principais objetivos, a criminalização da homofobia.

Vamos falar numa linguagem mais clara? Se este é um assunto que te incomoda, que te deixa desconfortável, eu te faço um convite. Leia esta matéria, mas antes deixe seu preconceito (se você tiver) lá no fundo da gaveta, ok?

Manuela – que na verdade se chama Rodolfo – não se enxerga como Rodolfo. Aliás, desde muito cedo sempre achou que estava presa num corpo que não era seu. A primeira rejeição foi a de seus pais. Na escola então, podemos imaginar o sofrimento dessa criança sendo motivo de chacota, sendo xingada e humilhada, inclusive por professores impedidos de discutir o assunto em sala de aula. Me lembra um município…  Enfim, Manuela cresceu e acabou por se tornar travesti. O preconceito não parou. A discriminação continua. É gente dando risada na rua, apontando o dedo. Manuela já foi agredida algumas vezes, mas também se sente discriminada quando vai à delegacia. A vida dela é difícil. "Muitos temores nascem do cansaço e da solidão" – vocês já devem ter ouvido isso diversas vezes e por certo em algum momento da vida se identificaram com essa frase do Renato Russo, na canção “Há Tempos”. Conseguem imaginar Manuela? Ela se sente desprotegida, desamparada. E como ela, existem milhares. E muitos “preferem” passar uma vida toda sofrendo em silêncio, com medo de se exporem. Com medo de apanharem. Com medo de serem ridicularizados. Já outro tanto, não consegue calar o grito, a voz.

Num evento histórico, realizado ontem em Guarapuava, mais de 200 pessoas, entre representantes da sociedade civil, professores, estudantes, gestores, advogados, sindicalistas e gente da comunidade LGBTT, se reuniram para discutir questões recorrentes a essa grande fatia da sociedade. “Por um Brasil que criminalize a violência contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais”. Foi esse o tema da I Conferência Municipal e Regional de Políticas e Direitos Humanos dos LGBTT+ , encontro promovido pelas secretarias municipais de Políticas para as Mulheres, de Assistência Social, de Educação e de Saúde, Ministério Público do Paraná, APP (Sindicato dos Profissionais de Educação do Paraná), Sisppmug (Sindicato dos Servidores Públicos e Professores Municipais de Guarapuava), Núcleo Regional de Educação e Coletivo Feminista Cláudia da Silva. Representantes dos 20 municípios que fazem parte da 5ª Regional de Saúde também estavam presentes.

O auditório da Guairacá estava lotado durante a conferência

A ideia foi propor estratégias para a implantação das ações do plano estadual e do sistema nacional de promoção da cidadania e enfrentamento à violência contra os cidadãos LGBTT+, no âmbito municipal, como por exemplo, a criação de um Conselho Municipal de Defesa dos Direitos LGBTT, além de avaliar como foram efetivadas as determinações do Plano Estadual de políticas públicas de promoção e defesa dos direitos humanos para o enfrentamento a todos os tipos de violência.

A vice-prefeita e secretária de Políticas para as Mulheres, Eva Schran, destacou, na abertura do evento, que a primeira conferência evidencia que por meio do engajamento social a comunidade poderá avançar contra a violência e discriminação de gênero. “É através do respeito, inclusão social e visibilidade que vamos ter uma sociedade justa onde todos façam valer os direitos humanos”, esclarece.

Pela manhã, a presidente do Trans Grupo Marcela Prado e conselheira nacional de Combate à Discriminação da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Rafaelly Wiest, falou sobre homofobia e transfobia e o papel do Estado na transformação desta realidade que atinge milhares de pessoas. “Temos uma declaração de direitos humanos que diz que todos devem ser tratados igualmente. As pessoas devem entender que identidade de gênero não é uma questão de escolha. As pessoas devem ser respeitadas pelo que são, pois a cobrança de políticas públicas existe pelo fato do Brasil ser o país onde mais ocorre violência física e assassinatos contra a população LGBTT”, salienta.

O idealizador do evento, Fabio Augusto da Silva e a palestrante Raffaely Wiest, conselheira nacional de Combate à Discriminação da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República

Durante a tarde aconteceram apresentações culturais e o debate dos eixos, que apontaram propostas que serão encaminhadas para a 3ª Conferência Estadual, entre os dias 6 e 8 de novembro, em Curitiba. Para Fabio Augusto da Silva, secretário de Gênero, Relações Étnico-Raciais e Direitos LGBT da APP Sindicato, Núcleo Sindical de Guarapuava e um dos idealizadores do evento, “existe sim uma situação de exclusão e demos o pontapé para a implementação de novas políticas aqui em Guarapuava e na nossa região”.

Lembra da Manuela? A Manuela é uma travesti de Guarapuava e estava nesse encontro. Ela sabe que ainda existem muitas dificuldades e muito ainda por mudar, desde leis a até mesmo a mente fechada de grande parte da população guarapuavana. Mas Manuela saiu de lá com uma certeza. A de que um grande, grande passo foi dado.

 

Cristina Esteche

Jornalista

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