22/08/2023
Saúde

Você sabe o que está tomando?

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Por Daiane Celso
Nos fundos de uma residência que fica no bairro Morro Alto, “medicamentos” eram fabricados sem qualquer procedência e registro de comercialização. Entre eles, um composto caseiro denominado “Viagra Cacique”, além de chás e preparados destinados ao combate de doenças como diabetes, reumatismo, depressão, hipertensão, obesidade, stress, úlceras e até preparo de cerveja.
O estabelecimento clandestino foi interditado em uma ação conjunta entre a Vigilância Sanitária Estadual e Municipal. O ambiente de trabalho era apertado, escuro, e a matéria-prima era armazenada diretamente no chão, em sacos amontoados sem os cuidados higiênicos necessários.
No local, três funcionários ensacavam e engarrafavam os produtos, sem luvas, máscaras ou mesmo aventais. A empresa não possuía registro junto à VISA (Vigilância Sanitária), alvará de localização, e também não possuía farmacêutico ou outro técnico responsável pelo setor. Não foi apresentado nenhum documento que comprovasse a qualidade dos produtos manipulados, que segundo os funcionários eram recebidos de viajantes que faziam a entrega das misturas mensalmente.
O estabelecimento foi interditado imediatamente e os responsáveis intimados a responder legalmente perante as autoridades pelas infrações cometidas. Centenas de pacotes e frascos desses produtos foram apreendidos e encaminhados para o depósito da VISA.
O caso chama a atenção para um problema crescente em todo o país: o uso de medicamentos falsos. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), remédios pirateados, contrabandeados e aqueles que não têm registro no órgão responsável (Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa) são considerados falsos e chegam a 20% de toda a medicação vendida no território nacional.
Entre os meses de janeiro e abril deste ano, a Anvisa apreendeu 170 toneladas de remédios ilegais. A alta procura se deve, na maioria das vezes, aos preços mais baixos que no mercado convencional e à possibilidade de compra sem receituário médico. Os medicamentos pirateados mais requisitados, de acordo com a agência, são para tratamento da disfunção erétil (Cialis, Viagra e Pramil), os que auxiliam no emagrecimento (Sibutramina) e os usados como anabolizantes (Hemogenin, Durateston e Deca Durabolin). Sem procedência garantida e orientação médica de uso, oferecem muitos riscos à saúde.
O farmacêutico José Vicente Bobato observa que qualquer medicamento contrabandeado é ilegal é perigoso. “Bom senso é primordial. A recomendação que fazemos é para que as pessoas comprem sempre, qualquer tipo de medicamento, mesmo naturais, somente em farmácias. Aí elas podem pedir a orientação do farmacêutico responsável “, alerta.
Os medicamentos falsificados, por exemplo, não contêm a substância ativa do original. No lugar, ou é colocada uma farinha qualquer, ou então uma substância que pode provocar efeitos graves por sua toxicidade.
“A automedicação, sem a orientação do profissional de saúde habilitado, pode mascarar o diagnóstico correto na fase inicial da doença. Por isso, na hora de comprar um medicamento, as pessoas precisam levar em conta o receituário médico, orientação farmacêutica, ler cuidadosamente a bula e avaliar o custo/benefício. Qualquer medicação possui benefícios e riscos, podendo causar reações adversas, ser tóxica fora da dosagem correta, precisa de avaliação quanto à segurança e eficácia e são potencialmente capazes de formar hábito ou ser tóxicos”, ressalta Bobato.
Foto: José Vicente Bobato, farmacêutico: “A automedicação, sem orientação do profissional de saúde habilitado, pode mascarar o diagnóstico na fase inicial da doença”

Abortivo Cytotec é facilmente adquirido
Por pessoas que trazem mercadorias do Paraguai ou pela internet, comprimidos de Cytotec (muitos deles falsos) podem ser facilmente adquiridos. O medicamento é usado para tratamento de úlcera e começou a ser vendido no país nos anos 80. Como causava fortes contrações no útero, provocando abortos, o Ministério da Saúde baixou uma portaria (344) ainda em 1988 com o intuito de conter o uso indiscriminado do medicamento. Só os hospitais podiam usá-lo.
De acordo com a Anvisa, o laboratório responsável pela distribuição da droga no Brasil deixou de comercializá-lo em 2003, cancelando o registro da medicação. Os hospitais, em casos necessários e permitidos por lei, passaram a utilizar o Prostoks, com o mesmo princípio ativo do Cytotec, o misoprostol. Por isso, todo medicamento que entra no país com co nome de Cytotec é contrabandeado e, na maioria das vezes, falsificado, sem qualquer informação real sobre sua procedência.
Na internet, ao colocar as palavras “vendo Cytotec” no maior site de buscas, 52.900 resultados são encontrados. Anúncios divulgados aguardam o desespero de muitas adolescentes e jovens que engravidam. Em uma das centenas de comunidades no Orkut (site de relacionamentos), junto com os comprimidos, ainda fornecem kits específicos para cada período de gestação, incluindo “manual” de uso e medicação para hemorragias, febre, dor, aplicador vaginal e anti-inflamatório. O Kit 1 (até oito semanas de gestação) custa R$ 280 ou R$ 350 no sedex a cobrar; o kit 2 (nove a 12 semanas) e o kit 3 (de 13 a 16 semanas) podem ser adquiridos por R$ 380 ou R$ 450 no sedex a cobrar.
Um dos anúncios garantia a originalidade do medicamento. “Cytotec original compra virtual e entrega real. Você que precisa de Cytotec nós fornecemos esse medicamento e garantimos o melhor preço e a melhor qualidade do mercado, pois trabalhamos com esse medicamento há três anos. Agora vendemos aqui pela internet, somos pessoas especializadas e com garantia de entrega e originalidade”.
Quem já passou pela experiência mal sucedida do uso desse remédio alerta sobre os perigos e conseqüências. No blog “Cytotec não é solução!” (http://cytotec.blogspot.com/), uma jovem conta que precisou ficar internada no hospital, passar por procedimentos cirúrgicos e que ainda não conseguiu se livrar do fantasma do ato que cometeu. Agora, tenta informar e conscientizar quem acha que esse método é a melhor solução.
A jovem se define da seguinte forma: “não sou médica, nem sou especialista, não tenho nenhum tipo de formação sobre o assunto, esse blog é apenas um depoimento. Meu intuito é dividir minha experiência com mulheres que estejam passando pela mesma agonia que passei quando decidi abortar. Não quero, com esse blog, dizer se o aborto é certo ou errado, e sim mostrar que muitas mulheres morrem anualmente por causa de abortos mal feitos”.

Cristina Esteche

Jornalista

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