22/08/2023

Votar é muito difícil!

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* Glauco Peres da Silva

Se tem algo que as pessoas em geral têm dificuldade de fazer é escolher seu candidato. E normalmente, achamos ainda que o outro é que não vota direito. Na verdade, muito do que se vê em época de eleição é ou o cidadão completamente envolvido na discussão sobre os candidatos, os partidos, as promessas de campanha, etc. ou aquele que deixa para decidir seu candidato às vésperas da eleição. A maioria está neste segundo caso que, como em outras dimensões da vida, deixa para decidir na última hora. Mas neste caso da votação, por que é assim? Normalmente se atribui a passividade do eleitor a alguma característica sua, como a falta de educação, por exemplo, ou falta de interesse em política. Se pede mais educação para a população, na esperança de que os mais educados, quase sempre como aquele que profere essas palavras, escolham melhor. Mas pode haver uma questão prática que dificulte a escolha; pode ser que seja difícil mesmo votar: são várias cadeiras em disputa com uma infinidade de candidatos. Vamos considerar esta hipótese.

“Normalmente se atribui a passividade do eleitor a alguma característica sua, como a falta de educação, por exemplo, ou falta de interesse em política.”

 No próximo dia 05 de outubro, cada brasileiro deverá votar para cinco cargos diferentes: deputado estadual, deputado federal, governador, senador e presidente.  Cada um dos cinco cargos possui regras diferentes: para os dois primeiros, a regra é a proporcional; nos outros três, majoritária. Isto porque desta vez, apenas um senador será eleito. Esta situação faz com que o rol de candidatos seja extensíssimo: no Acre, menor colégio eleitoral, serão eleitos 8 deputados federais e 24 deputados estaduais. Concorrem 62 candidatos ao cargo de deputado federal, 500 candidatos a deputado estadual, 4 candidatos ao senado, outros 4 ao governo do estado e os 11 candidatos a presidente. Já em São Paulo, o maior colégio eleitoral, são 1.291 candidatos para deputado federal, outros 1.859 para deputado estadual. Para senador, são 9 candidatos; para governador, também 9 candidatos, além dos mesmos 11 candidatos para presidente. Tanto em um caso quanto em outro, o leque de opções é muito vasto, o que torna a tarefa de escolher realmente difícil. Não bastasse o número elevado de concorrentes, o eleitor precisa considerar que cada um dos escolhidos terá responsabilidades diferentes. Então, o critério de escolha para cada cargo deve ser distinto. Por estarmos em uma federação, as obrigações dos diferentes cargos representativos se dividem, por vezes se combinando, como no caso da educação e saúde. Multiplique-se ainda os temas nos quais o eleitor se baseia como critério para a sua escolha: violência, transporte, etc. É virtualmente impossível escolher bem.

“Cada um dos cinco cargos possui regras diferentes: para os dois primeiros, a regra é a proporcional; nos outros três, majoritária. (…) Não bastasse o número elevado de concorrentes, o eleitor precisa considerar que cada um dos escolhidos terá responsabilidades diferentes. Então, o critério de escolha para cada cargo deve ser distinto.”

Em um contexto como esse, os eleitores são obrigados a lançar mão de atalhos informacionais: ele acaba por optar por um candidato partindo de algumas poucas informações que é capaz de coletar com baixo custo, como o partido do candidato ou a posição dele em relação a poucos temas, e toma isso como uma boa proxy sobre o comportamento geral do candidato. É quase folclórica a história sobre a derrota de Fernando Henrique Cardoso na disputa pela prefeitura de São Paulo para Jânio Quadros: a sua derrota seria atribuída a declaração que era ateu às vésperas da eleição, além do fato de deixar-se fotografar na cadeira de prefeito. Nenhuma palavra a respeito de suas propostas de campanha para a cidade. Exemplos deste tipo podem ser tomados como atalhos informacionais quando ocorrem em situações de múltiplas eleições simultâneas e com muitos candidatos.

“Em um contexto como esse, os eleitores são obrigados a lançar mão de atalhos informacionais:”

Saul Cunow (2013) faz um trabalho bastante interessante neste sentido exatamente no Brasil. Sua pesquisa consiste em avaliar os efeitos da expansão no número de candidatos nos níveis de abstenção nas eleições. A ideia é que a dificuldade em escolher faz com que os eleitores desistam de optar por alguém. Em um experimento, ele apresenta a eleitores diferentes números de candidatos fictícios (2, 3, 6 e 12), os quais teriam supostamente posições claras sobre diferentes temas, como meio ambiente, saúde e sistema tributário. Em algumas situações, o eleitor é informado sobre o partido dos candidatos, que no trabalho eram apenas PT, PSDB e PMDB, mas em outras, esta informação era sonegada. E os resultados são bastante interessantes: na medida em que o número de candidatos crescia, a probabilidade de abstenção também crescia. Na situação sem a informação do partido, o aumento na abstenção cresceu 70% entre as situações em que havia 3 e 12 candidatos. É interessante que quando há a informação do partido, a abstenção é menor em comparação com a situação anterior quando o número de candidatos é elevado (6 ou 12), mas não quando é baixo (2 ou 3). Isto sugere que embora a informação do partido facilite a escolha – ou seja, é um atalho informacional quando o restante da informação é custosa – ela não é suficiente para explicar a escolha dos eleitores. Ainda é interessante notar que a dificuldade de escolher quando há largo número de opções é objeto de estudo da psicologia. Por exemplo, Barry Schwartz argumenta que a dificuldade de optar se dá porque com muitas alternativas perdemos a referência do que deixamos de ganhar com nossa escolha. Perdemos a noção do custo de oportunidade envolvido na decisão e preferimos não escolher. Com muitas opções, é normal paralisarmos.

“(…)na medida em que o número de candidatos crescia, a probabilidade de abstenção também crescia.”

Assim, duas informações precisam ser consideradas nas discussões sobre reforma eleitoral no país: as siglas partidárias possuem alguma capacidade informacional aos eleitores, ainda que não seja perfeita, nem que os partidos sejam programáticos como almejado por vários; e a simultaneidade das eleições com número bastante elevado de candidatos torna custosa demais a escolha para o cidadão, que pode preferir não escolher. Votar não é uma tarefa simples e nosso sistema não ajuda em nada. Se você sente essa dificuldade, não há motivo para estranhar. A responsabilidade é muita e a tarefa, nada trivial.

*Glauco Peres da Silva: professor de ciência política da Universidade de São Paulo e autor do blog Entrementes

 

Cristina Esteche

Jornalista

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