por Cleyton Lutz
Guarapuava – Os recentes terremotos ocorridos no país, que já vitimaram 22 brasileiros, expuseram a trágica situação vivida pelo Haiti. O país, que divide com República Dominicana uma ilha da América Central, é hoje o mais pobre de toda a América, situação que se acentuou com os terremotos que atingiram pelo menos metade da população do país, entre mortos, feridos e desabrigados.
O Haiti possui uma série de características particulares. A ilha de Hispaniola depois chamada de Santo Domingo, local onde hoje estão o país e a República Dominicana foi a primeira encontrada pelo navegador Cristóvão Colombo, a quem normalmente é atribuída à descoberta da América. Posteriormente, em 1804, o território foi o primeiro da América a se declarar independente das metrópoles européias. O processo de independência do Haiti também teve características diversas das dos demais países latino-americanas.
O processo foi liderado por ex-escravos de origem africana que tinham vínculos políticos e intelectuais com a Revolução Francesa. Sua organização como Estado e nação, portanto, destoou da situação dos demais territórios das Américas, nos quais os processos de independência foram conduzidos pelos descendentes dos colonizadores, explica o mestre em História pela Unesp e professor da Unicentro, Raphael Sebrian.
A situação do país
O professor, pesquisador na área de História da América, destaca que o Haiti possui uma série características semelhantes as dos demais países da América Central como o fato de serem ex-colônias, dependentes de poucos produtos de exportação nem sempre valorizados, com territórios pequenos e sujeitos às turbulências climáticas e sociais. No entanto, a situação econômica e social no Haiti se agravou ao longo dos anos e hoje 80% da população do país é composta por pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza.
O comandante do 26º Grupo de Artilharia de Campanha (GAC) de Guarapuava, tenente-coronel César Augusto Rosa de Araújo, morou no país entre maio e dezembro de 2007. Ele foi um dos membros da Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti (Minustah), da qual as Forças Armadas do Brasil fazem parte. O maior problema do Haiti hoje é a falta infraestrutura. A distribuição de água e energia elétrica é deficiente. Além disso, faltam aeroportos, estradas e portos, o que dificulta a aplicação dos recursos, comenta.
O comandante destaca ainda outros problemas que impedem o país de crescer e se desenvolver como a indústria incipiente, a falta de mão de obra qualificada e as terras pobres para o cultivo. Os poucos recursos aplicados no Haiti vem de algumas empresas ou de haitianos que hoje moram fora do país. Boa parte dos produtos é importada da República Dominicana, já que existe uma dificuldade enorme na aplicação da agricultura no país, afirma. Ele complementa ainda que diante de tantos problemas, o turismo, também prejudicado pelos acontecimentos recentes, surge como uma das alternativas econômicas mais importantes do Haiti.
Além das dificuldades sociais, as intempéries da natureza também prejudicam o país. Furacões, ciclones e tufões são comuns no Haiti e em toda América Central. Por último, dois terremotos, um de 7 graus na escala Richter, destruíram o país. No segundo semestre de cada ano, determinadas empresas alteram suas rotas para não navegarem pela região, comenta o tenente-coronel.
O Brasil no Haiti
Marcado por um domínio colonial conturbado o território no qual hoje se encontra o Haiti foi durante muito tempo disputado por Espanha, França e Inglaterra e pela interferência dos Estados Unidos posteriormente, o país hoje é ocupado por forças designadas pela Organização das Nações Unidas (ONU). O Brasil integra a Minustah desde 2004. É um trabalho de ajuda humanitária, que também visa à manutenção da ordem e da segurança no país. É importante destacar ainda que a relação do Exército Brasileiro com o povo haitiano é muita boa. Sentimos-nos respaldados a continuar esse trabalho, afirma o comandante Augusto.
No entanto, a presença brasileira no Haiti é cercada por alguns questionamentos, envolvendo, principalmente, a eficácia da missão e a posição do Brasil enquanto líder da coalizão durante a semana, a iniciativa estadunidense no auxílio às vítimas do terremoto reacendeu o debate sobre os papéis desempenhados pelos países que integram a Minustah.
É óbvio que, por se tratar de processo coordenado por forças militares, cabem questionamentos à proposta. Existem inúmeros relatórios e dados que questionam a eficácia da Minustah e que colocam sob suspeita o papel do Brasil, por conta da posição de liderança que o país ocupa, comenta Sebrian. Sabe-se que permanecem os saques, as violações às leis, aos direitos humanos, que a violência e a desorganização política são problemas que as tropas brasileiras não conseguiram resolver. Há acusações, inclusive, de corrupção das tropas de coalizão, continua.
Ele analisa ainda a presença de outros países nas tomadas de decisões envolvendo o Haiti. Mesmo com as ressalvas, é preciso lembrar que qualquer intervenção ou presença estrangeira no Haiti pode ser considerada violação da soberania nacional, independentemente dos -bons interesses- da missão.
O futuro
A tragédia na qual se transformou a situação haitiana resulta de uma série de fatores, enumerados da seguinte forma por Sebrian. O fracasso desse Estado surgido dos enfrentamentos que levaram à independência em 1804, as seguidas ingerências estrangeiras a partir de fins do século XIX, as características naturais, bem como sua configuração produtiva extremamente restrita e dependente de poucos produtos.
Com tantas dificuldades, a única opção que parece restar aos haitianos é se apegar à esperança de dias melhores. Trata-se de um povo muito alegre, apesar das dificuldades que degradam o país. Eles procuram melhorar e se recompor a cada dia, relata o comandante Augusto. Quem sabe assim os haitianos acordam de um pesadelo que já dura há séculos.
Amigos lamentam a morte do coronel Zanin
O coronel João Eliseu Souza Zanin (foto) foi uma das vítimas do terremoto ocorrido no dia 12 no Haiti. Zanin trabalhou como subcomandante no 26º GAC de Guarapuava entre 1999 e 2000. Ele era um profissional exemplar, muito bom e muito competente. Trata-se de uma perda para o Exército, afirmou o comandante do 26o GAC, tenente-coronel César Augusto Rosa de Araújo (foto). Os dois foram contemporâneos na escola da formação militar.
O dentista Maurício Malucelli atuou como oficial do GAC entre 1998 e 2003, trabalhando ao lado de Zanin. Ele foi uma pessoa excelente e, até onde a hierarquia militar permitia, mantinha uma relação muito próxima com todos. Tive contato por e-mail com várias pessoas que trabalharam conosco naquele período e todas se mostraram muito consternadas, encerra Malucelli.
Zanin trabalhou ainda como comandante do 15º GAC, localizado na Lapa, e por último servia o gabinete do comando do Exército Brasileiro, em Brasília. Ele se encontrava no Haiti participando de reuniões da coordenação das forças brasileira do Minustah.
Texto publicado na TRIBUNA REGIONAL DO CENTRO-OESTE de hoje, dia 23
Foto: divulgação