22/08/2023
Cotidiano

Mendigo vive pelas ruas de Guarapuava há 40 anos

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 Por Cristina Esteche e Dalner Palomo

Quem passa pela Rua Comendador Norberto na esquina com a Saldanha Marinho, ao lado do Super Baratão, em Guarapuava, e tem um olhar mais atento que seja capaz de ultrapassar as barreiras da invisibilidade social, vai conhecer “seo” Antonio Machado da Silva, 88 anos de idade.

 

Morador de rua, ou melhor, faz do estacionamento do mercado a sua “sala de visita” e do terreno baldio que existe ali em frente o seu abrigo durante as noites. É nesse espaço que o idoso convive com mato, ratos, insetos e muita sujeira. O dor forte exala com maior intensidade na medida em que o sol esquenta. “Gosto de ficar ali, aquele terreno é meu. Aqui tudo é meu”, diz o idoso com um sentimento de posse dos lugares por onde anda. Na noites de chuva? “Durmo debaixo de árvores, debaixo das lojas marquises”, responde.

 

A situação física do “seo” Antonio comove. Deficiente físico por causa de um atropelamento que sofreu há anos na BR 277, ele mal consegue andar. “Quebrei o joelho e ainda dó muito”, reclama. A sujeira da roupa, molhada por urina que se mistura à falta de banho, e a tremedeira pela abstinência matinal da bebida deixam o idoso num estado ainda mais lastimável.

 

Por detrás dessa figura, se esconde um drama familiar. Ele diz que morava na localidade de Segredo, no município de Candói, onde tem um filho que é agricultor. Desavenças com a mulher, a quem chama por “aquela sem vergonha” o fizeram abandonar tudo e se entregar à bebida. “Um dia ela chegou em casa e eu tinha matado o galo e feito com quirera. Foi de lamber os beiços”, relembra ensaiando um sorriso. Aliás, o único momento em que ele sorri durante a nossa conversa. “Aí ela me mandou embora de casa. Saí e comprei um pacote de doce para o menino, entreguei e saí pelo mundo afora”, conta.

 

O idoso perambula pelas ruas da cidade há muito tempo. Vê o filho de “vez em quando” e diz que rejeita a ajuda. “Eu não quero voltar pra lá. Aqui na rua tenho amigos que vem bater papo comigo. A Assistência Social me ajuda com roupa e cobertores, mas me tomem tudo. Amigo é o dinheiro. Se você tem alguma coisa chegam e já passam a mão”, se contradiz.

 

No Albergue, “seo”Antonio não gosta de ficar. “Lá querem que eu trabalhe, mas como vou trabalhar com essa perna machucada? Eu não quero ficar lá”, afirma pegando o saco com roupas, jogando sobre o ombro. Era um sinal de que a disposição de conversar tinha acabado.

Cristina Esteche

Jornalista

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