22/08/2023


Brasil Cotidiano Guarapuava

“Nossa luta é sobre resistência, mas nem todos aguentam”, diz Julia

No dia internacional do Orgulho LGBTQIA+ o Portal RSN reforça a importância do debate sobre o assunto em conversa com uma mulher trans

STONEWALL

O Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+ é comemorado no dia 28 de junho (Foto: Reprodução/UESB)

“Nossa luta é sobre resistência, mas nem todos aguentam”. Mesmo sendo tão jovem, a guarapuavana Julia Belinda Schuaigert de 22 anos já conhece a triste realidade que muitos membros da comunidade LGBTQIA+, sobretudo mulheres trans, enfrentam dia após dia na sociedade.

“Adquiri muitos problemas no decorrer dos anos, como depressão, ansiedade, crise de pânico, TDAH e transtorno dissociativo de identidade”.

Conhecida por Julia Be, a designer gráfica entende que todas as agressões que enfrentou durante o amadurecimento foram causadas pelo “simples fato de que as pessoas são instruídas, na maioria dos casos, a tratar um LGBT como ‘aberração'”.

Por isso que desde novas muitas de nós são machucadas, atacadas e torturadas fisicamente e psicologicamente. Muitas acabam assassinadas ou cometem suicídio por não encontrar apoio.

Julia também produz conteúdo para a internet (Foto: Reprodução/Instagram)

Cinco décadas atravessam a história desde o protesto em defesa ao clube gay Stonewall Inn em Nova York que tornou a data de 28 de junho Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+. O marco deve-se pelo fato de que pela primeira vez, em grandes proporções, a comunidade que sempre se calava resolveu agir.

Portanto, essa é uma data para se falar sobre a luta por direitos e também conscientizar a população sobre o combate a homofobia. Contudo no dia em que o orgulho LGBTQIA+ se tornou público, em 1969, a violência contra aqueles que fogem a norma e não correspondem ao padrão aceito socialmente de que “meninos vestem azul e meninas vestem rosa”, como disse Damares Alves, ministra da Mulher, ainda se mantém.

“SOMOS E FORMAMOS FAMÍLIAS”

L de lésbicas. G de gays. B de bissexuais. T de transgêneros. Q de queers. I de intersexuais. A de assexuais e + para as demais identidades. Originalmente esse acrônimo nasceu da sigla GLS, que significava gays, lésbicas e simpatizantes. Mas com o tempo se mostrou excludente, pois deixava de fora grande parte da comunidade.

Ao contrário do que a Ministra Damares disse em vídeos divulgados, de que “o movimento LGBT tentará tirar a Bíblia de circulação no país”, o foco da sigla não é destruir a religião e a família. Conforme o advogado e professor Thiago Amparo, que também é colunista no jornal Folha de S. Paulo, os LGBT’s querem que haja democracia na família. Além disso, referenciando a vereadora e ativista Erika Hilton, ele também explicou “que somos e formamos famílias”.

Em 2021 mais de 80 casais homoafetivos decidiram se unir e disseram ‘sim’ perante o juiz nos 10 primeiros meses do ano no Paraná. Conforme os dados da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen), o número de casamentos de pessoas do mesmo gênero aumentou cerca de 29%, em comparação ao mesmo período do ano passado.

Em Guarapuava, a associação registrou apenas duas uniões: uma em dezembro de 2020 e a outra em agosto do ano passado. No cenário nacional, o amor também está vencendo. Desde 2011, o número de celebrações cresceu 461%.

No entanto, apesar de a pauta LGBTQIA+ entrar em debate cada vez mais, na prática a realidade é outra, como conta Julia Be.

Na minha rua, há 40 metros de casa, um jovem se matou no quarto por não ser aceito pela própria família. Espero que ele esteja feliz onde estiver. Queria ter conhecido ele antes, talvez estivesse vivo. Nossa luta é sobre resistência mas nem todos conseguem resistir.

O preconceito ainda é responsável por 70% de todos os assassinatos registrados na América do Sul e Central, de acordo com o último relatório da Transgender Europe (TGEU) em 2021. O instituto monitora dados globalmente levantados por instituições trans e LGBTQIA+.

“AS PORRADAS QUE O MUNDO NOS DÁ”

Atualmente muitas personalidades da mídia usam o local de visibilidade para disseminarem mais conteúdo sobre a comunidade. Mesmo ainda sendo poucos, eles oportunizam que a sociedade conheça a realidade marcada por muita luta e resiliência.

Além disso, produções audiovisuais reforçam a mensagem e popularizam a comunidade. No seriado ‘Pose’ do canal HBO um grupo de mulheres transexuais e travestis mostram a realidade do grupo, abordando as lutas diárias por respeito e amor até mesmo dentro da própria comunidade LGBTQIA+. Isso porque, conforme a série, até no movimento elas são desrespeitadas, pois fogem a regra por não corresponderem a determinados estereótipos de gênero.

Já na literatura, uma das personalidas que falam do tema abertamente é Camila Sosa Villada. No livro ‘O parque das irmãs magníficas’ a autora narra a vida dela e conta como se identificou travesti ainda na infância. Com isso, apresenta uma comunidade de travestis que a acolheu em Córdoba na Argentina, quando ela morava na rua por não ter o apoio da família.

“Todos o dias os insultos, o escárnio. O tempo todo desamor, a falta de respeito, as malandragens criollas dos clientes, os golpes, a exploração dos bofes. A submissão, a estupidez de nos julgarmos objeto de desejo, a solidão, a aids, os saltos dos sapatos que se partem, as notícias das mortes, das assassinadas, as brigas dentro do clã, por causa de homens, de fofocas, pelo disse me disse. Tudo isso que parece não acabar nunca. As porradas, acima de tudo as porradas que o mundo nos dá, as escuras, no momento mais inesperado (…) Todas tínhamos passado por isso”.

Além dela, outras pessoas vêm lutando por espaço para dar mais visibilidade ao movimento. Para que o preconceito deixe de existir é necessário que a pauta LGBTQIA+ seja levantada e debatida em diferentes cenários com a maior quantidade de pessoas possível. A informação é a melhor maneira de se acabar com a ignorância.

“O AMOR EXISTE”

Por fim, Julia espera que todas as pessoas trans tenham o direito de viver e serem aceitos e aceitas pela família. Confiante e determinada, a jovem ousada busca influenciar outras pessoas pelas redes sociais levantando questões de pertencimento.

“Somos pessoas normais, que se profissionalizam e que tem amor ao próximo. Conheço uma mulher trans que todos os dias acorda às 7h da manhã e faz almoço para centenas de moradores de rua. O amor existe em todos, então que usem-nos para o bem e não em nome de velhos costumes ruins”.

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Antunes

Jornalista

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