22/08/2023
Blog da Cris Guarapuava

Desenvolvimento não pode ignorar vidas

A fala de que a “notificação foi feita para criar burburinho e para que as famílias se mexessem ”beira o cinismo institucional

PR-466 (Foto:DER)

O anúncio de desalojamento de 54 famílias residentes na faixa de domínio da PR-466 expõe uma contradição dolorosa no modelo de desenvolvimento que ainda vigora no Brasil. Destas famílias, 28 vivem no distrito de Palmeirinha, em Guarapuava, muitas ali estabelecidas desde a década de 1970 e pagando IPTU regularmente. Situação que revela não apenas uma relação de pertencimento, mas também a própria omissão do poder público ao permitir, por décadas, a consolidação dessas moradias sem resolver a situação fundiária.

A notificação inicial previa um prazo de apenas 30 dias para a saída. Após reunião com o DER, deputados e moradores nesta sexta (5), o prazo foi ampliado para 49 dias. Mas a ampliação é meramente paliativa diante da realidade de famílias de baixa renda, que precisam não apenas desocupar a área, mas também encontrar outro teto em meio ao mercado imobiliário restrito e caro. Segundo a deputada estadual Cristina Silvestri, que acompanha o caso, “esse prazo é inadmissível. Como famílias de baixa renda vão sair da casa, alugar outra moradia? É um tempo muito curto”.

A ausência de previsão de indenização agrava o cenário, negando direitos básicos em nome de uma lógica puramente técnica de desapropriação e segurança viária. A duplicação da rodovia é, sem dúvida, essencial para o desenvolvimento da região e para a segurança de milhares de motoristas. Há anos, a PR-466 é palco de acidentes fatais, e a obra atende a uma demanda histórica. Mas isso não justifica a negligência social.

POR QUE SÓ AGORA?

Cabe questionar: por que essas famílias só foram notificadas agora? Não teria sido mais fácil, prático e, principalmente, mais humano, se houvesse negociação desde o início dos debates sobre a duplicação ou, ao menos, quando as obras começaram? A resposta é óbvia. Mas a escolha feita revela prioridades. O que está sendo ignorado não é apenas o direito constitucional à moradia digna e à cidadania, mas a própria humanidade de pessoas que, de uma hora para outra, se veem indo parar na rua.

A fala de que a “notificação foi feita para criar burburinho e para que as famílias se mexessem” beira o cinismo institucional. Como pessoas idosas, muitas acima de 60 anos, poderiam “se mexer” ao receber, de um dia para o outro, a notícia de que precisarão abandonar o lugar onde construíram suas vidas inteiras? Ou a criação de loteamento, cuja ideia é muito válida, mas que deve levar no mínimo seis meses pra se concretizar? E tá lá, o que vai acontecer?

EMPATIA FAZ BEM!

Segurança viária, desenvolvimento econômico e integração regional são pautas legítimas, urgentes e necessárias. Mas nenhuma política pública, nenhum grande projeto de infraestrutura, nenhum crescimento econômico tem legitimidade se despreza o básico: o respeito à dignidade humana. Quando o concreto vale mais que a vida de quem vive às margens dele, não se constrói progresso, mas desigualdade.

Essas famílias necessitam de medidas urgentes. E ainda dá tempo, mas precisa de ‘tato político’, de empatia, de solidariedade humana!

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Cristina Esteche

Jornalista

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