22/08/2023
Blog da Cris Guarapuava

O veneno invisível e a falência da ética do mercado

A adulteração de bebidas com metanol expõe uma crise de segurança social, onde o lucro criminoso transforma o consumo em uma roleta-russa

Drinks: perigo à vista (Foto: Pixabay)

A escalada de mortes e sequelas por ingestão de metanol em destilados é mais do que uma tragédia pontual. É um sintoma alarmante da falência ética do mercado e da fragilidade da segurança pública no que tange ao consumo. O metanol, um produto industrial de baixo custo, converte-se em ácido fórmico no organismo, resultando em cegueira e óbito, configurando a mais fria das fraudes: o lucro criminoso em troca de vidas.

Entendo que a adulteração com metanol não é um erro, mas uma escolha deliberada. Ao substituir o etanol, mais caro, pelo álcool metílico em vodcas, cachaças e uísques falsificados, o produtor clandestino maximiza o lucro com a certeza da invisibilidade da toxina. Isso cria uma vulnerabilidade social onde o consumidor, ao buscar lazer ou economia, se vê exposto a um risco fatal. Transforma um ato simples de compra em uma roleta-russa de consumo.

A crise reside no fato de que o perigo se infiltra em produtos que aparentam legitimidade. O consumidor perde a segurança básica de saber o que ingere. A inação ou a dificuldade de ação se torna um problema sistêmico, onde a ausência de fiscalização eficaz permite que o mercado paralelo prospere. A imunidade, portanto, é clandestina. A produção e a cadeia de distribuição de bebidas adulteradas operam na sombra, fora do alcance da Vigilância Sanitária. O volume e a dispersão dos produtos falsificados superam a capacidade de resposta dos órgãos regulatórios, que frequentemente só conseguem agir após as vítimas estarem hospitalizadas ou morrerem. A fiscalização torna-se, assim, uma resposta reativa à tragédia, não um mecanismo preventivo de proteção social.

A PERFEIÇÃO DA FRAUDE

E o pior de tudo isso há uma perfeição da fraude. Isso porque ometanol é o agente ideal da fraude por não alterar as características sensoriais óbvias da bebida. Ele é o cúmplice perfeito da adulteração, refletindo uma lógica de mercado onde a busca por rendimento ignora a consequência humana.

Vocês percebem que a inserção de metanol em bebidas possui uma semelhança chocante com a prática de adulterar drogas ilícitas? Posso citar comoexempo, o levamisol, que é um vermífug,  à cocaína para simular pureza ou aumentar o volume.

VETOR DO LUCRO

Em ambos os casos, o fator central é o mesmo: a maximização do lucro é diretamente proporcional ao risco imposto à vida humana. O consumidor, seja de destilados ou de drogas, é reduzido a um mero vetor de lucro. Encontra-se exposto a uma lógica de mercado brutal e desumana. Essa prática de adulteração tóxica representa a falência da ética de consumo e exige não apenas repressão policial. Necessita-se, sim, de  uma mobilização social maciça para reestruturar os mecanismos de rastreabilidade e impor a segurança alimentar como um direito inegociável.

Em última análise, a tragédia do metanol levanta a questão mais crítica para a sociedade: Em um sistema onde a segurança do que se consome encontra-se terceirizada à sorte, qual é o verdadeiro custo do mercado paralelo e qual o peso da responsabilidade social pela vida perdida?

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Cristina Esteche

Jornalista

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