22/08/2023
Blog da Cris Guarapuava

O que a fé não permite?

Ouvi, pasma, uma frase dita por meia dúzia de vozes que, em um gesto de negação, vetavam o reconhecimento a uma irmandade milenar

Venda nos olhos (Foto: reprodução/Freepik)

“Minha crença não permite.” A frase ecoou na noite dessa terça (14) como um sino de bronze, solene e definitivo. Ouvi, pasma, a frase dita por três vozes que, em um gesto de negação, vetavam o reconhecimento a uma irmandade milenar que independe de religião.

A frase, que nasceu dentro de uma bolha de convicção, foi amplificada, principalmente, em redes sociais. E a indignação é porque num espaço que por natureza deveria ser um portal para o conhecimento e a pluralidade transmitiu a negação de quem deveria legislar para todos. Afinal, um espaço democrático é sim para todos, desde que o direito de expressar uma opinião venha acompanhado de conhecimento e respeito.

Esse recorte é um reflexo do momento que vivemos. É a linha tênue entre a crença pessoal e o dever público. E olha que isso não é novo. Mas, novamente, nos mostra de forma clara o perigo de se usar a fé como escudo para a falta de conhecimento. E, mais do que tudo, revela o quanto essas vozes perderam a chance de ficarem caladas por serem porta-voz de tamanha desinformação.

Mas o que, afinal, essa crença não permite?

A gente escuta a frase e, de imediato, associa a algo sagrado, a um limite imposto por uma fé genuína. Mas o que a crença não permite é, na maioria das vezes, algo muito mais perigoso: o contato com o diferente, a curiosidade sobre o desconhecido.

É fácil ver como esse muro, erguido em nome de algo sagrado, na verdade, se sustenta na ignorância. A falta de conhecimento sobre o ‘outro’ é preenchida por caricaturas, por preconceitos que se tornam dogmas. E a frase “minha crença não permite” ou “sou evangélico” se transforma em desculpa, um atestado de intolerância.

Entendo que a fé, em sua essência, deveria ser um caminho para a compreensão e para a caridade. Mas, em vez disso, vemos a fé sendo usada como uma ferramenta para a divisão, um paradoxo cruel. Em nome da crença, nega-se a humanidade. O pior é que, muitas vezes, quem a usa não percebe que está servindo a uma pauta de intolerância, se escondendo atrás de um dogma para praticar o desamor, a exclusão.

A fé, de verdade, não se manifesta na restrição, mas na expansão. Uma crença genuína permite a curiosidade, o conhecimento e, acima de tudo, a empatia. Uma crença que se baseia na compreensão de que somos todos diferentes, mas todos humanos.

Portanto, é uma pena que, em nome de uma crença que se diz sagrada, a gente acabe por esquecer que a maior virtude de todas é a tolerância. A verdadeira crença não se manifesta na intolerância, mas na capacidade de abraçar o que não se conhece. Ela nos permite ir além do que nos é familiar e enxergar que a diferença é uma dádiva e não um pecado. Afinal, a fé, em sua essência, deveria nos guiar à luz e não à escuridão.

Leia outras notícias no Portal RSN.

Cristina Esteche

Jornalista

Relacionadas

A missão da RSN é produzir informações e análises jornalísticas com credibilidade, transparência, qualidade e rapidez, seguindo princípios editoriais de independência, senso crítico, pluralismo e apartidarismo. Além disso, busca contribuir para fortalecer a democracia e conscientizar a cidadania.

RSN
Visão geral da Política de Privacidade

Este site usa cookies para que possamos oferecer a melhor experiência de usuário possível. As informações de cookies são armazenadas em seu navegador e executam funções como reconhecê-lo quando você retorna ao nosso site e ajudar nossa equipe a entender quais seções do site você considera mais interessantes e úteis.