22/08/2023
Em Alta Guarapuava Segurança

Justiça reconhece erro judicial e absolve dois presos inocentes

Cristian Walter e Michael Camargo foram absolvidos da acusação de latrocínio após revisão criminal apontar falhas graves no processo. "Foi um erro do Judiciário", diz Rattes

Marinaldo e Cristian; Marinaldo e Michael (Foto: Arquivo Pessoal)

Após sete anos de sofrimento e mais de três deles em reclusão, Cristian Walter Araújo e Michael Willian Camargo foram absolvidos nesta quinta (4) pelo Tribunal de Justiça do Paraná. Condenados injustamente pelo latrocínio do taxista Jerson Meira, em 2017 em Guarapuava, os dois homens viveram uma tragédia paralela ao crime que abalou a cidade. A de serem punidos por algo que não cometeram.

De acordo com o advogado criminalista Marinaldo Rattes, responsável pela defesa, a revisão criminal demonstrou, de forma incontestável, que não houve qualquer prova concreta da participação de Cristian e Michael no crime.

O Tribunal de Justiça reestabeleceu a justiça ao reconhecer que houve um erro do Judiciário ao condenar dois inocentes.

Conforme Marinaldo, com a decisão, os alvarás de soltura dos dois aguardam apenas os trâmites formais. Portanto, eles podem deixar a prisão ainda nesta quinta (4).

RELEMBRE O CASO

Marinaldo Rattes e Cristian Walter (Foto: Divulgacão)

Era tarde de 11 de dezembro de 2024 quando o Portal RSN recebeu um homem desesperado. Pela manhã, ele tinha gravado um vídeo pedindo socorro. Cristian estava condenado a 24 anos de prisão em regime fechado. O caso havia transitado em julgado no dia 26 de novembro de 2024. Junto com ele, outras três pessoas estavam condenadas por um latrocínio em Guarapuava. Os quatro alegavam inocência. O latrocínio [roubo seguido de morte], ocorreu na madrugada de 23 de março de 2017.

De acordo com o processo, quatro homens chamaram o taxista Jerson Meira, então com 39 anos, para uma corrida. Ele trabalhava no ponto da Rodoviária de Guarapuava. Após o roubo do GM Corsa Prata, o carro acabou abandonado em Imbituva. Já o corpo de Jerson estava em uma vala na estrada rural que dá acesso à Localidade de Covó, interior de Guarapuava. Ele morreu com um tiro na cabeça.

Cerca de quatro meses após o crime, a polícia surpreendeu Cristian Walter enquanto ele retornava para casa. “Eu trabalhava durante o dia e estudava à noite. Era casado e pai de um filho.” Abordado na rua, antes da condenação, Cristian ficou preso durante três meses. Entretanto, ele só ficou sabendo das acusações dentro da cadeia.

Após o desespero de Cristian, a pedido da RSN, o criminalista Marinaldo Rattes ouviu a vítima e assumiu a defesa.

ENTREGA VOLUNTÁRIA

Marinaldo e Cristian; Marinaldo e Michael (Foto: Arquivo Pessoal)

Em junho do ano passado, Cristian Araújo e Michael Camargo se apresentaram de forma voluntária à Polícia Civil. O primeiro a se entregar foi Michael. Já Cristian compareceu ao plantão da 14ª Subdivisão Policial de Guarapuava no dia seguinte. Ambos foram acompanhados pelo advogado de defesa, o criminalista Marinaldo Rattes.

A apresentação oficial dos dois ocorreu após ampla repercussão nas redes sociais e na imprensa sobre o caso, que voltou ao centro do debate jurídico no Paraná. A Polícia Civil havia divulgado novamente fotos dos dois homens pedindo apoio da população para encontrá-los. Logo depois, o advogado Marinaldo Rattes publicou um vídeo em defesa dos clientes. Ele classificou a condenação como um erro judicial e apontou falhas no reconhecimento de suspeitos e na fragilidade das provas.

De acordo com a defesa, Cristian e Michael sempre colaboraram com o processo e chegaram a ficar presos em fases anteriores da investigação. Ainda assim, optaram agora por se apresentar formalmente, mesmo com recursos pendentes de julgamento em tribunais superiores.

DEFESA PEDE REVISÃO DA PENA

Uma das engrenagens mais frágeis do sistema penal, o reconhecimento por fotografia, está no centro de um dos mais graves erros judiciais recentes no Paraná. O advogado criminalista Marinaldo Rattes, que assumiu o caso no fim de 2024, aponta que o depoimento de uma testemunha sigilosa, responsável por incriminar Cristian e outros envolvidos, se baseou exclusivamente em uma fotografia encontrada nas redes sociais.

A Corte Cidadã [o STJ] já tem posicionamento consolidado contra reconhecimentos fotográficos mal conduzidos. Eles não podem ser a base de uma condenação. Ainda mais quando estamos falando da liberdade de um inocente.

Conforme o criminalista, a nulidade do reconhecimento já havia sido reconhecida pelo próprio Ministério Público em segunda instância, reforçando a tese da defesa.

As provas colhidas não obedeceram aos critérios exigidos por lei. São nulas de pleno direito. Este é um típico caso de condenação injusta, que o Judiciário precisava reparar.

AS FALHAS

De acordo com o advogado, Cristian nunca esteve no local do crime. Não conhecia os outros réus. E mesmo assim, foi preso. Um dos elementos usados contra ele foi a alegação de que o próprio carro estaria estacionado em frente à casa da mãe de outro acusado. Mas o veículo dele sequer batia com as características mencionadas: a cor e a placa eram diferentes, e apenas as letras coincidiam parcialmente.

Outro erro grave apontado por Marinaldo, trata-se do relato da testemunha, que disse que Cristian tinha uma tatuagem no pescoço. Ele não tem. E mais: o homem que de fato possui a tatuagem nunca foi indiciado. Já um dos acusados, também reconhecido por foto, usava tornozeleira eletrônica na época. E foi absolvido depois que o monitoramento confirmou que ele estava em casa no momento do crime.

Outro detalhe ignorado: um dos condenados inaugurava uma lanchonete e estava trabalhando na hora do crime. Mesmo assim, foi julgado culpado. No entanto, Cristian tinha um álibi concreto, pois estava na escola, em curso técnico, das 18h40 às 23h10. E no dia seguinte saiu cedo para trabalhar. Horários documentados, confirmados, mas desconsiderados no processo judicial.

Para o criminalista Rattes, a condenação ocorreu sem provas materiais, baseada apenas em relatos extrajudiciais frágeis e contraditórios.

Não podemos permitir que o sistema judicial valide mais um erro histórico. Houve uma falha, e estamos corrigindo isso, mesmo que tardiamente.

De acordo com Marinaldo, a justiça encontra-se restabelecida, mas a liberdade não apaga o trauma. Agora, ele vai avaliar com os clientes a possibilidade de pedir indenização por danos morais e materiais ao Estado.

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Cristina Esteche

Jornalista

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