22/08/2023

A bruxa está solta e tudo politizável

É quase impossível ficar indiferente na política, afinal o momento nos proporciona um grande laboratório para uma apurada reflexão. De conversas domésticas a ambientes públicos e redes sociais, a bruxa está solta. As eleições e seu resultado continuam rendendo, afinal tudo hoje está politizável.  Para alguns o momento é de silêncio (de suspensão da ideia), para outros o momento é de dizer qualquer dizer, mesmo que este dizer seja impublicável (o problema é que hoje tudo é publicável).

De qualquer forma não é um erro esperar, como também não é um erro dizer.  Isto é democrático.  Trata-se de um tabuleiro onde os atos políticos são lances executados por jogadores que se posicionam de formas diferentes. Alguns jogam limpo, outros jogam sujo. Este é o paradoxo da democracia que precisamos aprender.  A oposição entre o amigo e o inimigo não é a única forma que pode adquirir o antagonismo.  Prefiro sempre o conceito de adversários de ideias como inimigos amigáveis, pessoas que partilham um espaço comum, mas também inimigas por quererem organizar este espaço de maneira distinta.  Conviver com isto é necessário e para que isto chegue a bom termo um dia, é inevitável uma certa radicalidade. No entanto, é preciso ter grandeza para aceitar as regras da democracia nem que seja para tentar subvertê-la com bons argumentos.

Alguns optam por declarar simbolicamente ‘nós somos seus inimigos’, outro não tiveram coragem, outros ainda já superaram esta fase e estão em uma dimensão diferente, mais civilizada e cosmopolita.

Passando rapidamente os olhos em matérias jornalísticas e análises políticas do momento, vemos sem freios, afirmativas e negativas quanto aos conceitos ‘direita’ e ‘esquerda’ com uma naturalidade incrível.

Óbvio que não existe aqui ‘eixo do bem’ e ‘eixo do mal’, apenas posições divergentes que são agora mais ditas, expressas com maior autonomia. Esta rebelião de pensamento pode ser bom para o país.

Algumas pessoas querem ser governáveis. Uma parte quer governar e uma outra não quer que governem.  Este é um fenômeno do momento. Então, ouso dizer que está existindo mais política hoje do que ontem.  Política é liberdade, é autonomia (é às vezes dizer sim, às vezes dizer não, às vezes não dizer) e acontece quando também se diz ‘não’ ao jogo, conquanto que este ‘não’ venha de dentro do terreno do jogo, dito por aqueles que rompem com o convencional. Assim, um número maior de pessoas resolveram dizer “também estou no jogo” e,   “quero mudar este jogo”.

Até então muitos nem conheciam as regras do jogo político. Ao conhecer as regras do jogo político, permitiram-se jogar o jogo político e, em alguns casos, subvertê-lo ou até mesmo violá-lo.  Há ainda aqueles que assistem apenas, sem poder ou sem querer entrar nele.

Há um autor que gosto muito, Jacques Rancière. Escreveu “O desentendimento – política e filosofia”, um bom texto que traz à tona a possibilidade do envolvimento de cidadãos no cerne da esfera pública em períodos de crise.

É engraçado entender que cresce a participação política dos brasileiros no pior momento da política, ou seja, um maior interesse por política coincide com a letargia e o eclipse da política enquanto atividade institucional. Está claro que as instituições políticas perderam a legitimidade, aparecendo em seu lugar novos modos de palavra, novos meios de fazer circular a informação, e assim por diante. É uma ruptura que cria uma miríade de possibilidades. Durante minha participação no XVI Congresso de Pós-Graduação em Filosofia, na última semana, ouvi de alguns colegas expressivos, afirmações polêmicas sobre o tempo presente, em especial neste estágio pós-eleições. Marcos Nobre da UNICAMP, filósofo com tinta marxista, um deles, foi taxativo ao afirmar que mais que brigar por Dilma ou Aécio, apesar de importante (chamado por ele de ‘candidatos a síndicos’ por sua vulnerabilidade diante de bancadas de Deputados), deveríamos ter dado maior relevância à eleição do Congresso e que, segundo ele, “foi importante que simpatizantes de um pensamento conservador tenham também tomado a rua e as redes sociais ou a rua é apenas para sindicalistas, simpatizantes de partidos de esquerda ou anti-imperialistas?”. As jornadas de junho fizeram isto.

Há espaço para todos, desde que saibamos manter o bem maior: a convivência com as diferenças.

O Brasil não é o mesmo. Os brasileiros também não são os mesmos.  Estamos mais impacientes com os governantes e muitos homens públicos estão pagando um preço alto. Os brasileiros estão partindo para cima quando o assunto é a defesa de suas ideias, seja para manter ou para mudar.

Tudo isto pode ser positivo, se soubermos manter nossos avanços sociais e econômicos afastando demônios que tornem inviáveis nossa paz social.

Todavia, a expressão de que alguma coisa mudou nestas eleições se deve diretamente às manifestações de junho de 2013.  Segundo ele (Marcos Nobre), parte da sociedade (desaparelhada de partidos) já não aceita mais o discurso egocêntrico de “nunca antes neste País” ou  “tudo aconteceu nestes últimos 12 anos apenas”, ou ainda pagar tantos impostos para serviços públicos tão débeis,  da mesma maneira que “não aceita mais recuar em conquistas sociais que a duras penas a sociedade conquistou” e “a recriação de uma política apenas neoliberal que acusa o atual governo como os únicos corruptos do País”.   Tem-se falado muito em ódio nos últimos dias, em bolsa família e em segregacionismo. Vou dizer secamente o que Marx disse a Ruge no auge da crise do século XIX: “a situação desesperada da época em que vivo me enche de esperança”.   

Particularmente torço para que a Presidente dialogue mais com vários setores da sociedade, que o Brasil volte a ter uma oposição saudável (faz muito tempo que não tem), recupere o crescimento econômico, pois assim a redistribuição social passa a ser mais palatável por aqueles que hoje se opõe radicalmente.

 

Cristina Esteche

Jornalista

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