22/08/2023
Cotidiano

Homem vive sozinho e sem tecnologia às margens da BR 277

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Por Caio Budel e Letícia Ferrari*

Como dizia Aristóteles: “Quem encontra prazer na solidão, ou é fera selvagem ou é Deus”. José dos Reis tem um pouco dos dois. O lado selvagem compreende a luta diária pela sobrevivência em meio aos perigos noturnos e, por que não diurnos; na caça ao alimento, na busca incessante por água e, sobretudo, pelo bem-estar de viver sozinho, sem nenhum parente, sem nenhum amigo, sem nenhum… alguém! Já a interface divina é afirmada por ele mesmo: “basta as pessoas acordarem para perceber. Eu sou Deus”. Soa estranho, gozado e maluco. Mas quem é que, quando entregue a uma vida solitária, não perde um pouco da razão e encontra forças sobre-humanas para continuar vivendo?

E é em um morro, localizado às margens da BR 277, próximo ao acesso principal de Irati, em meio à natureza e bem pertinho do céu, que José dos Reis vive. Há 14 anos ele foi abandonado pela família – por motivos que opta por não comentar. A única coisa que diz, com a boca, olhos e todo o corpo é a falta que sente dos seus quatro filhos. Para amenizar a dor, José preferiu juntar alguns objetos, uma tenda, fugir da civilização e viver em um mundo que é, literalmente, só seu.

A casinha, ou melhor, tenda, está ali há quase dois anos. Quem passa pela BR 277 vê de longe o local que seu José escolheu como refúgio: uma estrutura simples, construída a base de madeira e lona. O que os viajantes não imaginam é a vida que seu José leva embaixo de barraco. Além de muito entulho, existe também a dor do abandono.

“Estou esperando meus filhos voltarem e me tirarem daqui”.

Em um espaço muito pequeno, José guarda apenas aquilo que lhe interessa. Por lá, não há lugar para mordomia, luxo ou tecnologia. Sequer um relógio ou rádio atraem a atenção dele. Embaixo das lonas, existem apenas umas quatro ou cinco peças de roupas penduradas em uma madeira adaptada de cabide, um colchão velho e utensílios como panelas. Como não possui geladeira, os alimentos que consegue por meio de doações ou na própria mata que envolve a sua casa, ficam guardados em uma tábua, bem próximo de um metal enferrujado.

Do lado de fora da casa, em cima do fogão velho, está o alimento do dia: cascas de laranja que servem tanto para comer como para fazer chá. Ao lado, as três garrafas que José usa para armazenar água, da chuva ou de uma vila que fica a 5 quilômetros dali.

Apesar de simples, seu José não deixa de tentar praticar bons hábitos. Ele reservou um lugar apenas para deixar a louça suja. Quando está com água sobrando, lava os potes que utilizou.  

Para superar toda essa precariedade, José busca forças para se manter vivo, na fé. Além de acreditar que é o Deus dos católicos, ele nunca deixa de rezar. E não só pedindo por ele, como também por toda a humanidade.

 “Já me acostumei com essa vida. Estou há 14 anos na estrada sem minha mulher e meus filhos. Agora sou eu, Deus e meu barraco”.

Aos 56 anos, o que ele gosta de fazer quando não está dentro da cabana é admirar aquilo que o envolve: a natureza e sua beleza. Mas, em um local onde qualquer um pode chegar, seu José não confia sua defesa apenas à proteção divina. Com um facão colado na cintura, está preparado para alguma possível ameaça que se aproxime de sua casa. Não bastasse esta arma, guarda trincada na entrada da casa uma foice.

“Esse é um canto só meu. Não gosto de ser incomodado”.

Com uma rotina construída na solidão, após o tumulto das fotos e da conversa, é hora de seu José retornar ao seu aconchego, seu refúgio, seu lar.

*Acadêmicos do quarto ano de Jornalismo da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro).

Um ensaio fotográfico completo sobre a vida que seu José leva pode ser conferido aqui.

Cristina Esteche

Jornalista

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