Nove em cada 10 brasileiros são favoráveis a leis mais duras para punir adolescentes que cometem crimes. É o que revela uma consulta popular realizada pelo instituto Paraná Pesquisas nas cinco regiões do país, num momento em que aumentaram as discussões sobre a redução na maioridade penal. Em meio aos debates, tramitam no Congresso Nacional dezenas de propostas com o objetivo de alterar a forma de punição a jovens infratores.
Apesar do apoio popular, é bastante difícil que ocorram alterações na forma de punir adolescentes infratores no médio prazo. Isso porque a maioridade penal em 18 anos (estabelecida pelo artigo 228 da Constituição Federal) é considerada um direito fundamental dos adolescentes. Por isso, Ministério Público Federal, Ordem dos Advogados do Brasil e especialistas argumentam que o artigo se trata de uma cláusula pétrea, que não pode ser alterada.
“É uma cláusula imutável. Para alterar a maioridade penal seria necessário fazer uma nova constituição”, diz Melina Fachin, professora de Direito Constitucional da UFPR.
Ainda que Câmara e Senado tenham interpretações diferentes e aprovem uma das Propostas de Emenda à Constituição (PECs), alterando o artigo 228 da Carta Magna, a decisão se estenderia ao Supremo Tribunal Federal.
Outra alternativa seria mudar pontos do ECA, prevendo outras formas e períodos de punição aos menores de 18 anos. MPF e OAB também já se manifestaram contra a hipótese. “O ECA é uma norma infraconstitucional. Então, sua alteração também seria inconstitucional, porque haveria conflito com o que a Constituição disciplina”, observa Melina.
Além do viés constitucional, o doutor em sociologia e coordenador do Núcleo de Estudos de Violência da UFPR, Pedro Bodê, defende o ECA e questiona as intenções de alteração na legislação. “Mais uma vez, o jovem é tornado em bode expiatório da derrocada dos governos e falência das políticas públicas que eles representam. É transformar a vítima em réu”, afirma.
O deputado Fernando Francischini (PEN) discorda e se apega ao clamor público para justificar a redução. “A Constituição é feita para proteger a população. A gente não pode dizer que a Constituição é imutável, se a própria população quer mudá-la.”
No Senado
PEC 90/03: considera penalmente imputáveis os maiores de 13 anos que tenham praticado crimes hediondos.
PEC 83/11: estabelece a maioridade civil e penal aos 16 anos, tornando o voto obrigatório a partir dessa idade.
PEC 33/12: prevê possibilidade de desconsiderar-se a inimputabilidade penal de maiores de 16 anos e menores de 18 anos.
PEC 21/13: considera penalmente inimputáveis apenas os menores de 15 anos, sujeitos à legislação especial hoje estendida a todos os adolescentes menores de 18 anos.
Na Câmara Federal
PEC 279/13: reduz a maioridade penal para 16 anos.
PEC 273/13: cria a emancipação de adolescentes com idade entre 16 e 18 anos que cometerem crimes hediondos, para que possam ser responsabilizados criminalmente.
PEC 228/12: prevê a responsabilização criminal a adolescentes maiores de 16 anos que cometerem crimes com violência ou grave ameaça, crimes hediondos ou contra a vida.
PEC 223/12: considera inimputáveis os menores de 16 anos.
Outros 19 projetos de lei tramitam na Câmara dos Deputados visando alterar os períodos de internação e a forma de punição a adolescentes que tenham cometido algum ato infracional.
Fonte: Câmara dos Deputados e Senado Federal.
Enquanto 90,4% dos entrevistados são favoráveis à responsabilização criminal de adolescentes, apenas 8,3% declararam ser contra. Para 64% dos entrevistados, a redução da maioridade contribuiria para reduzir a violência. A pesquisa mostra ainda que 55% dos consultados avaliaram que a proposta deva valer para todos os tipos de crimes, mesmo delitos considerados mais leves.
Com 90,9% favoráveis ao aumento do rigor na punição dos adolescentes, a região Sul é a segunda do país que mais encampa a ideia de reduzir a maioridade penal. Os índices variaram pouco nas diversas estratificações da pesquisa. Na faixa etária entre 35 e 44 anos, 93,5% querem que os jovens sejam responsabilizados por seus crimes. Por escolaridade, a aprovação da redução da maioridade penal é maior entre os que concluíram o ensino médio, com 92%.
Entidades contra
Em contrapartida, instituições nacionais, organizações não governamentais e especialistas em violência e infância se posicionam contra a redução da maioridade penal. Argumentam que resultados como os da pesquisa são reflexos da falta de informação sobre a aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e da exploração midiática de delitos bárbaros envolvendo jovens.
“O que eu temo é que essa desinformação, esse preconceito e essa leviandade no trato da informação possam impedir que uma criança de 16 ou 17 anos tenha um tratamento pedagógico e socioeducativo adequado [caso cometam delitos]. Ele vai ser jogado num sistema mais duro, que é o sistema prisional”, avalia Oswaldo José Barbosa, subprocurador-geral da República e procurador-adjunto dos direitos do cidadão, do Ministério Público Federal (MPF).
O conselho federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também já declarou ser contra menores de 18 anos serem responsabilizados criminalmente. Além de considerar a mudança inconstitucional e incapaz de reduzir a criminalidade, a entidade menciona “questões de natureza social”.
“Esse tipo de medida só recai sobre infratores de periferias. Quando uma criança de área nobre comete uma infração, ninguém fala nada. Mas se é morador de favela e pobre, todos já desfraldam a bandeira da redução da maioridade penal”, disse o presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos da OAB, Wadih Damous.
Congresso avalia 27 projetos mudando lei
Hoje tramitam no Congresso Nacional pelo menos 27 propostas para reduzir a maioridade penal ou alterar a forma de punição de adolescentes infratores. No Senado, há quatro Propostas de Emenda à Constituição (PECs). Apesar de terem redação diferente, três delas visam fixar a maioridade penal em 16 anos. Outra vai além: quer que maiores de 13 anos respondam criminalmente por seus atos.
Há outras quatro PECs na Câmara dos Deputados, todas estabelecendo 16 anos como limite mínimo. Também seguem na Câmara 19 projetos de lei buscando alterar pontos do ECA para endurecer as penas a adolescentes infratores. No mês passado, a Casa criou uma comissão especial para analisar as propostas.
Frente parlamentar
Integrante da comissão, o deputado federal paranaense Fernando Francischini (PEN-PR) articula a criação de uma frente parlamentar para pressionar pela redução da maioridade penal. Mais de 180 deputados já aderiram à iniciativa. “Já na próxima semana devemos ter as 198 assinaturas necessárias”, diz.
Um dos objetivos da frente é apresentar uma nova proposta para alterar o ECA, para que adolescentes a partir de 16 anos que cometam delitos hediondos passem a responder criminalmente. Paralelamente, o parlamentar idealiza a criação de instituições voltadas exclusivamente ao cumprimento da pena dos jovens infratores, até que completem 21 anos.
“Adolescentes que já são criminosos contumazes precisam ser diferenciados dos que cometem crimes leves, mas precisam ser responsabilizados”, resume o deputado.
Outro paranaense que integra a comissão especial, o deputado João Arruda (PMDB), recomenda cuidado ao tratar do assunto, principalmente diante da “comoção” gerada pela exposição de casos recentes cometidos por jovens.
“Em um país de diferenças sociais enormes, é um crime a sociedade querer punir o adolescente ao invés de tratá-lo. Principalmente, se motivada por um sentimento de vingança. É um discurso fácil, mas que não resolve o problema.”