22/08/2023
Cotidiano

Campanha pede que afro-descendentes assumam origem étnica e religiosa

Começa hoje, segunda-feira (2), em Guarapuava o Censo 2010 que vai promover o levantamento demográfico em todo o País. Os negros brasileiros estão sendo convocados para assumir a sua cor e a sua espiritualidade. Para isso, o Movimento Negro nacional está com a campanha: Não deixe a sua cor passar em branco e Vamos dizer que somos do Axé. O apelo é para que os afro-descendentes declarem a sua origem étnica e para que as pessoas que são adeptas das religiões de matrizes africanas (candomblé, umbanda, entre outras), também assumam essa opção religiosa. Em Guarapuava, esse trabalho está sendo encampado pelo Instituto Afro-Brasileiro Belmiro de Miranda, agora presidido pela quilombola Ana Kinilê Alves da Cruz, e pela Companhia de Música e Dança Afro Kundun Balê – Quilombo Paiol de Telha. “Tomamos essa iniciativa porque sentimos na pele essa invisibilidade e queremos reverter essa situação, mostrando que existimos e que temos força”, disse Ana Kinilê Alves da Cruz. “Vamos começar pela comunidade”, diz.
De acordo com o Censo de 2000, o último realizado pelo IBGE, Guarapuava possui apenas 3034 negros, enquanto no Paraná essa população é de 271.871 pessoas negras e no País é de 10.554.336. Os números foram dados á Rede Sul de Notícias pelo agente de pesquisas do IBGE em Guarapuava, Douglas Bileski.
Para o coordenador do Kundun Balê, Orlando Silva, o Censo é uma ferramenta importante para o levantamento demográfico, para o acompanhamento do crescimento do País, sua distribuição geo-demográfica e, principalmente, para nortear a definição de políticas públicas nos municípios, nos estados e na Federação. “Se nós não assumirmos a nossa cor e a nossa espiritualidade quem o fará por nós?” questiona. “Só podemos lutar por nossos direitos a partir do momento em que temos consciência deles e o primeiro de todos é declarar a nossa cor e em que acreditamos”, diz. “Se você ler os quesitos apresentados pelo IBGE vai perceber que o critério adotado pela pesquisa é autodeclaratório quando no quesito raça/cor as alternativas são: preto, pardo, amarelo, indígena e branco. Eu não concordo quando um censo pesquisa a cor do povo brasileiro quando deveria ser pesquisado a sua descendência. Esse quesito por si só já limita. Somos um país multirracial originário da fusão entre brancos, negros, índios, asiáticos. O que é pardo? Alguma denominação para filhos de pardais? Eu me assumo como afro-descente. Meus antepassados eram negros”, observa.
Apesar dessa distorção, Orlando Silva diz que o mote da campanha “Não deixe a sua cor passar em branco – Sou negro e sou axé” que vem sendo trabalhada desde 1991 é uma ferramenta importante para impedir a continuidade do embranquecimento do País. “Vivemos num município que possui uma população estimada em 172.728 pessoas, segundo levantamento do IBGE feito em 2009, num município que teve um grande contingente de escravos e só somos um pouco mais de três mil afro-descendentes? Isso é absurdo”, diz. Ele cita como exemplo os próprios integrantes do Kundun que antes de terem a consciência da sua identidade, pela própria miscigenação, não se viam como afro-descendentes. “No censo deste ano tenho a certeza de que o Kundun vai se auto-declarar como afrodescendente, ou negro, como pede o questionário do IBGE”, aposta.
De acordo com a Afropress, agência de informação multiétnica, o quesito "raça" é pesquisado desde o primeiro Censo realizado em 1.872 e se manteve no segundo, em 1.890. Nos Censos de 1.900 e 1.920 foi suprimido, retornando em 1.940, sob a denominação de cor. Em 1.970, sob a ditadura militar, voltaria a ser novamente suprimido, voltando a aparecer no ano de 1.980. Em 1.991, o quesito cor voltou a figurar no Censo, a exemplo da nova categoria “indígenas e amarelos”. O Censo também deverá apontar o crescimento das religiões de matriz africana, graças a iniciativas como a do Coletivo de Entidades Negras (CEN), que lançou a campanha "Quem é de Axé diz que é". Segundo seu idealizador, o jornalista Márcio Martins Gualberto, "as religiões de matrizes africanas, por preconceito, ainda são associadas só a negros, pobres e analfabetos. "Isso leva muitos a se dizerem católicos ou espíritas, em vez de umbandistas e candomblecistas", frisa Márcio. O Censo de 2000 registrou que 0,3% da população declarava ser adepto de religiões afro.

Cristina Esteche

Jornalista

Relacionadas

A missão da RSN é produzir informações e análises jornalísticas com credibilidade, transparência, qualidade e rapidez, seguindo princípios editoriais de independência, senso crítico, pluralismo e apartidarismo. Além disso, busca contribuir para fortalecer a democracia e conscientizar a cidadania.