22/08/2023
Cotidiano Guarapuava

Cego ultrapassa limites e faz lustres artesanais

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Cristina Esteche

Guarapuava – O que deveria ser seu maior problema transformou-se em exemplo de superação. Cego há três anos, por causa de um acidente, Marcio de Oliveira, cansou de ser rejeitado por pessoas que achava que poderia contar e foi em busca da adaptação. Aprendeu a fazer bijuterias em aula na Associação dos Pais e Amigos dos Deficientes Visuais (Apadevi) e hoje produz lustres. A sua intenção é abrir um ateliê e dar a oportunidade que não teve quando procurou emprego, a outros cegos ou pessoas com baixa visão.

Conversar com Marcio de Oliveira é ter uma aula de alto astral, força de vontade e superação. “Eu entrei pra escuridão há três anos, quando perdi o controle do veículo e bati contra um muro. O meu olho esquerdo descolou por dentro e pela demora de atendimento oftalmológico, no hospital, acabei perdendo a visão." Ele já não enxergava com o olho direito, após ter sofrido um assalto. “Levei um golpe de foice”.

Acostumado a ter uma vida profissional agitada montando móveis planejados, não foi a cegueira que o impediu de correr atrás de trabalho. “Procurei amigos para quem eu já tinha trabalhado. Cansei de pedir uma oportunidade, que nunca me foi dada”. Foi na Apadevi que Marcio encontrou o caminho que o levaria de volta ao mercado de trabalho, mesmo que, inicialmente, de maneira informal. “Na Apadevi reaprendi a viver, mas desta vez sem enxergar nada. No começo até eu conseguia ver luzes, mas depois de uma cirurgia, até isso se apagou”. Aprendendo a confeccionar bijuterias e chaveiros, ele descobriu a habilidade para a prática artesanal. “Fiz uma cortina com miçangas e meu irmão me sugeriu que eu fizesse lustres de cristais”.

Mesmo sem desvendar a técnica dessa peça artesanal, Marcio saiu em busca de trabalho em várias lojas da cidade. “Cheguei numa loja de móveis planejados que ia ser inaugurada e disse que também sabia fazer lustres. A dona pediu que eu fizesse um pra ela colocar no dia da inauguração”. Marcio saiu de lá preocupado. Não tinha capital para comprar os materiais e nunca tinha feito um lustre. “Em casa, minha esposa e meu irmão tinham em mãos o modelo que a freguesa queria. Eles foram me explicando e eu fui desenhando na cabeça. Ela queria um modelo pequeno e resolvi fazer maior. Gastei tudo o que tinha e o que não tinha também, mas fiz”.

De acordo com Marcio, no dia da inauguração da loja, ele e a esposa estavam lá. “Muitas pessoas duvidaram se era eu mesmo que tinha feito, ou se sou realmente cego, mas sempre mexi com desenho, com cálculos e desenvolvi essa nova habilidade”. Para confeccionar mais peças. Marcio teve o apoio de um empresário rural, pai de Luan, menino que também é cego. “Como aqui em Guarapuava as peças são caras, minha esposa pesquisou e encontrou melhores preços fora daqui. Compramos e tudo já está transformado em lustres”.

São vários modelos e tamanhos que são confeccionados numa sala da sua casa, na Rua Barão de Capanema, 245, no bairro Santa Cruz, perto do SOS. O espaço está adaptado para facilitar o trabalho do artesão. É lá que a criatividade se une ao talento e lhe 'devolve' a visão. “Eu vou criando tudo e desenhando na minha cabeça, depois só deixo as minhas mãos trabalharem. E agora vou fazer um lustre que deverá ser um sucesso para o público infantil. Esse eu quero patentear”. Os 17 lustres pendurados em um expositor são de “encher os olhos” e podem ser levados para casa por preços especiais, oscilando entre R$ 190,00 a R$ 1,2 mil. O mais valorizado é dourado. “Preciso vender para comprar mais material. Quero fazer uns coloridos”.

Mas a expectativa mesmo é que a esposa, hoje afastada do trabalho por problema na coluna vertebral, possa sair vencedora numa ação que move contra a Previdência Social e receber os salários atrasados há um ano. Com esse valor, Marcio espera poder legalizar a sua microempresa, a Brilho Celestial, abrir as portas do ateliê e empregar mais pessoas. “Quando isso acontecer vou abrir mão do auxílio de um salário mínimo que recebo e vou viver do meu próprio negócio”. 

Cristina Esteche

Jornalista

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