22/08/2023
Segurança

Em prantos, mãe desabafa: “Meu filho não era bandido”

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Cristina Esteche

Guarapuava – Dona Aparecida Alves Padilha de Araújo, 49 anos, é mãe de sete filhos. Com o suor do trabalho temporário no meio rural ela construiu uma casa no bairro Xarquinho, em Guarapuava. Separada do esposo, a mulher de aparência frágil hoje personaliza o sofrimento de uma mãe que perdeu o filho do meio de forma brutal. José Roberto foi morto a tiros dentro de um ônibus do transporte coletivo urbano. Conhecido como “ Rato”, apelido adquirido ainda em criança por ser um menino franzino e desnutrido, o jovem de 20 anos, saiu de casa para fazer um empréstimo financeiro, mas no terceiro ponto de embarque no bairro, foi surpreendido por tiros. Um deles, fatal, o atingiu na nuca.  O crime aconteceu em 28 de outubro deste ano e ninguém foi preso. “Mataram o meu filho pelas costas”, desabafa a mãe, entre lágrimas. Aliás, as lágrimas e o sofrimento são companheiras de dona Aparecida há muito tempo. José Roberto já tinha escapado da morte duas vezes. Segundo a mãe, já tinham tentado atingi-lo uma vez, mas o alvo acabou sendo outros dois jovens que estavam em sua companhia, na Lagoa das Lágrimas. Um dos autores dos disparos está preso. José Roberto seria testemunha em audiência que aconteceria neste mês. A intimação chegou no dia em que ele foi assassinado. “ Meu filho era ameaçado também por causa disso”, diz  dona Aparecida.

Depois, em outra ocasião, José Roberto foi atingido por seis tiros, que o deixaram com um lado do corpo paralisado, danificando também a sua audição, já que uma das balas se alojou atrás de uma das orelhas. Uma cirurgia já estava agenda em Curitiba.

A rixa

O começo da rixa com integrantes da gangue conhecida como “ Os Firmeza”, segundo dona Aparecida, começou quando José Roberto comprou um tênis “de marca”  e foi convidado por outro jovem para jogar sinuca. Quem ganhasse levaria o par de tênis ou um calção, também de grife. “ Na primeira partida o meu irmão ganhou, mas o outro não quis entregar o calção e pediu revanche. Na segunda, o meu irmão perdeu e também não quis entregar o tênis”, relata  Janaína Aparecida Padilha de Araújo, irmã de José Roberto. Ameaças de morte, pedras na vidraça, tiros na casa e outros tipos de provocações passaram a fazer parte do cotidiano da família. “ Meu filho não saía mais de casa.  Vivia num cárcere privado. Até para ir ao médico alguém ia junto. Ele era trabalhador, sustentava a casa. Não tinha passagem pela polícia”, desabafa a mãe.

“Meu filho era uma pessoa boa”

A dor maior de dona Aparecida é saber que o filho está sendo taxado de bandido. “Meu filho era uma pessoa boa, que se preocupava comigo e com os irmãos. Era ele quem colocava comida na mesa. Ele nunca fez parte das gangues. Agora por último é que não podia trabalhar porque estava com uma bala na coluna, mas ele ia se aposentar e dizia que quando isso acontecesse eu não iria mais sofrer”. Dona Aparecida mostra a Carteira de Trabalho, a rescisão, boletins de ocorrência por ameaças, os comprovantes do recebimento do Fundo de Garantia e do acerto empregatício.  “Ele pegou um pouco mais de três mil. Quando chegou em casa pôs o dinheiro em cima do peito e quis tirar uma foto. Me chamou. Estava faceiro porque ia pagar umas continhas, comprar roupas e comida”. Ele não queria que a gente passasse fome”.

No dia em que foi assassinado, José Roberto saiu para emprestar R$ 1 mil numa financeira. “ Ele ia me dar esse dinheiro para pagar a prestação do computador e  ir ao mercado. Mas não deu tempo”. Segundo Janaína, foi o único dia em que ele saiu sozinho. “Eu não pude ir com ele, mas ele disse que ia com Deus e que já voltava. Fez uma viagem sem volta” .

Ameaças continuam

Além da morte de José Roberto, a família de dona Aparecida continua vivendo num clima de ameaças. “ Eles [Firmeza] fazem ´cavalinho de pau´ de moto na frente da casa da mãe, aceleram, gritam, dão risada”, relata Janaína. “Tiramos as crianças da escola porque elas são ameaçadas.”, emenda dona Aparecida. “A minha vida é só sofrimento. Não tenho coragem de entrar no quarto do meu filho. Ele era muito bom e tenho comigo que morreu sem reagir para salvar a vida de pessoas que estavam dentro do ônibus com ele. Com a morte dele tiraram um pedaço de mim”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cristina Esteche

Jornalista

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