Sobreviver em ambiente hostil requer imediatismo, não é prudente parar para meditação quando nossa vida está ameaçada, a melhor atitude é a defesa possível ou a fuga para evitar o pior. Esta é a realidade de quase todos os seres vivos, e foi a nossa por muitos milênios, até que algumas comunidades conseguiram superar riscos naturais como ataques de feras, carência de alimentos, desastres ambientais, e finalmente pelo estabelecimento de alguma organização e pactos sociais, reduzindo os riscos que o próprio ser humano representa para seus semelhantes.
O que não significa, em absoluto, que vivamos uma realidade edulcorada sem guerras e agressões, como qualquer noticiário ou circulação pelas cidades nos mostram, mas possibilitou o surgimento de um grande contingente em situação do que podemos chamar “privilégio relativo”, não fazendo parte da aristocracia e nem do proletariado, essas pessoas não têm ou tiveram os vícios decorrentes de viver exclusivamente do trabalho de outras e tampouco sofreram as consequências terríveis da carência de alimentos, agasalho, liberdade e talvez principalmente de educação. Trata-se da classe média, a tão vilipendiada e incompreendida “burguesia” dos manuais de revolução; trata-se na verdade de quem nós somos, nós que provavelmente nunca passamos fome, nós que tivemos acesso à educação e recursos médicos, nós que, se não estamos realmente na situação material que gostaríamos ou mereceríamos, preservamos a capacidade e o direito de pensar.
Os horrores das guerras mundiais, acrescidos do risco de destruição nuclear que se tinha como praticamente inevitável nos anos iniciais da guerra fria, levaram-nos a um suposto despojamento de preocupações com o futuro, como se poupar saúde ou vida fosse renúncia ao direito de “viver como se não houvesse amanhã”, num mundo em que talvez não houvesse mesmo.
Porém, neste momento está em discussão na Assembleia Legislativa do Paraná o futuro de uma APA (área de preservação ambiental) das mais importantes para nosso estado, a Escarpa Devoniana. É uma área de quase quatrocentos mil hectares, distribuídos em treze municípios da faixa dos Campos Gerais, um dos ecossistemas mais ameaçados do país, com capões de araucária, afloramentos de rocha, variadas espécies de mamíferos, aves, répteis e peixes. Além de grande importância histórica, cultural e arqueológica, por ter sido parte da Rota dos Tropeiros e abrigado muitos povos indígenas. O Projeto em curso propõe reduzir esta área em dois terços ou, eufemisticamente, relativizar a proteção ambiental da APA.
Segundo professores da Universidade Estadual de Ponta Grossa, a prática tradicional da pecuária extensiva permitiu que a paisagem do Segundo Planalto paranaense não fosse muito comprometida durante largo período de tempo; entretanto nas últimas décadas a paisagem típica da região cedeu espaço para extensas plantações de soja e florestamentos de pinus, gerando uma mudança generalizada no uso da terra, e, ainda segundo os pesquisadores, o interesse de reduzir a área protegida em dois terços seria de grupos que pretendem explorar mineração e energia eólica e hidráulica.
É preciso salientar que ambientalistas opõem-se fortemente à redução da área, e que mineração propicia riscos imensos a qualquer local, rios, animais e comunidades próximas, como lamentavelmente vimos num caso extremo recentemente.
Em termos mais amplos, sociais e ambientais, a despreocupação compulsiva com o futuro compromete de modo talvez irremediável o que deixaremos para nossos descendentes, eximir-se de questões sérias, que são responsabilidade de todos nós, não prenuncia bom futuro aos nossos filhos e netos. Indispensável o zelo e a participação nesta discussão.
(*) Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.