Guarapuava – Cerca de cinco quilos mais magro, aparência abatida. Ora cabisbaixo, mexendo nos dedos das mãos num sinal de nervosismo. Foi assim que o prefeito Fernando Ribas Carli (PP) se comportou durante a primeira vez que recebeu a imprensa de Guarapuava após o acidente do qual o seu filho, o ex-deputado Fernando Carli Filho está sendo acusado de provocar.
Carli atrasou cerca de 30 minutos do horário marcado para o início da entrevista. Entrou na sala, cumprimentou um a um, sentou na cabeceira da mesa e falou sem parar por cerca de meia hora. Cabisbaixo, como se fosse um desabafo, se referiu ao acidente que envolveu Carli Filho como uma tragédia que abalou a sua família e o guarapuavano. Disse que isso significou um sofrimento intenso com o Luis Fernando sofrendo risco de morte e em coma por três dias.
Durante a sua fala o prefeito tentou repassar o sofrimento da sua família com a remoção do ex-deputado ao Hospital Albert Einstein em São Paulo, as notícias dadas pelas três equipes cirúrgicas responsáveis pelo tratamento. Tenho convicção de quem é pai sabe o que isso representa, afirmou.
Atribui a minimização do sofrimento à solidariedade do povo guarapuavano e disse que são incontáveis as mensagens, as cartas, os telefonemas e os telegramas de apoio recebidos. Credita a sobrevivência do filho, tal magnitude do acidente e dos ferimentos a um milagre. Ele enxerga perfeitamente bem, não teve nenhum seqüela cerebral e se recupera dos procedimentos cirúrgicos. Acreditamos que com o passar do tempo ficará normal em sua aparência dentro de quatro a seis meses, mas o milagre está entre nós, disse.
Enquanto se pronunciava, Carli evocou a espiritualidade e a solidariedade da população como ponto de apoio.
Disse que foi ele quem contou ao filho, ainda na UTI semi-intensiva, o que havia acontecido com ele na madrugada de 7 de maio quando dois jovens ficaram sem vida por causa do acidente. Foi quando ele (Fernando Filho) teve acesso a aparelho de televisão, então contei tudo. Ele chorou muito e queria saber quem tinha morrido, porque ele está com lapso de memória, assegurou.
Mesmo assim, o prefeito conta que seu filho pensa em escrever contando essa história. Ele está falando em escrever um livro. A pessoa entra em um momento de introspecção. Ele vai falar sobre isso. Primeiro ele tem que ter condições psicológicas, mas agora ele não tem condições, disse o prefeito.
O prefeito assume também que foi o ex-deputado quem decidiu pela renúncia do mandato, após ter conhecimento dos desdobramentos políticos. Tomou essa atitude para não ter nenhum privilégio, afirmou.
Com convicção o prefeito disse que a família vai aguardar o julgamento e que a justiça vai ser feita. Vamos acompanhar o processo e a justiça será feita e se for comprovado que ele errou, será punido, assegurou.
Respondendo a imprensa local Carli negou que o ex-deputado estivesse com a licença para dirigir suspensa. Nunca houve nenhuma notificação oficial, afirmou.
Disse também desconhecer a simulação do acidente na noite de segunda-feira, 21. A perícia constatou que o carro conduzido por Carli Filho voou cerca de 10 metros de altura e que o ex-deputado estava bêbado e em alta velocidade.
Sempre recomendei para que não bebam e andem devagar, comentou. Ele negou outros possíveis envolvimentos do filho mais velho em acidentes e desafiou quem tiver laudos a provar esses fatos. Falar todo mundo fala, mas então provem. Nós temos que aguardar, pois o inquérito ainda não foi concluído. Estão sendo ouvidas testemunhas ainda. Não foi feito o laudo do acidente e quem vai oferecer a denúncia é o Ministério Público e cabe recurso para as ambas as partes. É prematuro falar sem o inquérito estar concluído, afirmou.
A demora na constituição de advogados para acompanhar o caso, segundo Carli, se deve à preocupação que a família tinha com a vida do ex-deputado. Queríamos salvar a vida dele, o resto era secundário. Fomos contratar advogado muito tempo depois e isso demonstra a nossa intenção em não querer interferir no processo, ressaltou.
A repercussão nacional sobre o acidente na opinião de Carli ganhou proporções pelo fato dele e de Carli Filho deterem mandatos políticos. Quantos acidentes mais graves aconteceram depois desse no Paraná. E qual foi a repercussão que teve? Acredito que esse foi o preço que pagamos por sermos pessoas públicas, avaliou o prefeito.
A dor provoca amadurecimento
Durante os 32 dias em que esteve fora do município Carli experimentou duas situações. Uma delas como cidadão comum, ou sendo mais um na multidão em meio ao Hospital Albert Einstein, apesar de deter cargo político. Outra, justamente por ser político há cerca de 19 anos e provocar visibilidade maior à tragédia, no que pese a luta desesperada de Cristiane Yared por justiça.
Dentro desse contexto Carli foi questionado sobre o que muda na sua vida a partir do acidente envolvendo o seu filho. Cabisbaixo e assumindo que não sabia como se expressar no momento disse que as provações que são impostas promovem mudanças. Somente quem já sofreu sabe que a dor provoca amadurecimento e desperta a sensibilidade. A dor sensibiliza e a solidariedade te conforta, te purifica. Ainda estamos convivendo com essa tragédia, sabemos que tem duas mortes e é difícil conviver com isso, admitiu.
O prefeito voltou a expressar a vontade que tem de conversar com as famílias dos meninos que faleceram. Para nós se trata de uma tragédia que envolveu três famílias.
Carli, porém disse que a vida tem que ser tocada em frente e não descarta a possibilidade do ex-deputado retornar ao cenário político, mesmo dizendo que não é o momento de pensar nesse assunto.
Eu não diria que acabou se ele tem 26 anos. Porque acabou? Se ele teve um acidente, vamos aguardar o resultado do inquérito e depois o processo. Se estivéssemos pensando em política, no cargo dele, ele não teria renunciado. Nós não estamos pensando em campanha, não estamos pensando em política. Na verdade, a tragédia causou só uma interrupção na carreira que ele iniciou que foi brilhante, afirmou. Carli Filho era o deputado mais jovem na Assembleia Legislativa do Paraná.
Declarações repercutem
Tão logo a entrevista do prefeito Fernando Ribas Carli foi divulgada e teve repercussão estadual a Família Yared reagiu e repediou declarações do pai do ex-deputado Fernando Carli Filho.
Em entrevista coletiva na quarta-feira, dia 24, no escritório jurídico do criminalista Elias Mattar Assad, Cristiane, mãe de um dos jovens mortos no acidente disse que fará uma campanha caso Carli Filho saia candidato. Se algum partido aceitá-lo, vai ter que pagar o preço político disso. Vou às ruas pedir para que não votem nele, nem no partido que o acolheu, disse Christiane.
Já o advogado comentou sobre a intenção do ex-deputado escrever um livro sobre o caso. Será a biografia de um assassinato no trânsito.
Se em Curitiba a repercussão das declarações do prefeito Fernando Ribas Carli não foram bem aceitas, em Guarapuava, no que pese as manifestações de solidariedade expostas pelo prefeito, a reação popular demonstra rejeição.
Vários emails e telefonemas recebidos pela TRIBUNA-REDE SUL DE NOTÌCIAS criticam as declarações de Carli. O que o prefeito falou sobre a tragédia é um absurdo. A população precisa de um espaço para se manifestar. Não aguentamos mais tanto absurdo, disse uma pessoa que se identificou apenas como Maria Lucia.
Se a população critica as declarações carlistas e repudia o ex-deputado Carli Filho, isso acontece de forma anônima ou nas rodas de conversas à boca pequena.
Mas ninguém assume uma posição abertamente. Na quarta-feira, dia 24, a Rede Record enviou uma equipe a Guarapuava para produzir matéria que seria veiculado no programa de Ana Hickmann. A vinda do repórter e do câmera foi frustrada porque, além de serem impedidos de entrarem na Prefeitura a assessoria não quis expor o prefeito -, não encontraram nenhuma pessoa que quisesse assumir uma posição sobre o acidente.
O que se pode ver abertamente são veículos circulando pelas ruas com o adesivo distribuído também em Curitiba 190 Km/hora é crime.
Como era antes
O retorno do prefeito Fernando Ribas Carli à Prefeitura está significando um ponto final na abertura proporcionada pelo prefeito interino Jorge Luiz Massaro.
Durante 32 dias a população experimentou uma nova maneira de gestão política. Massaro abriu as portas do gabinete, recebeu lideranças politicas, de movimentos sociais, conversou com estudantes, prestigiou eventos esportivos, empresariais, culturais.
Iniciou a sua breve passagem pelo gabinete principal da Prefeitura pelo caminho certo encurtando a distância política entre o Executivo e o Legislativo. No dia da posse recebeu o presidente da Câmara, o peemedebista Admir Strechar e no dia seguinte estava lá na Câmara conversando com o bloco de oposição. Foi aparar arestas e buscar parceria na aprovação de projetos de leis.
Parceria… que parceria? Foram apenas visitas e os vereadores não aprovaram nada, vociferou Carli perdendo a apatia que demonstrava enquanto falava sobre o acidente que envolveu o seu filho.
Eu também tenho um relacionamento gentil e na sexta-feira (dia 18) estava almoçando com o presidente da Câmara na exposição do charolês, comparou.
Cada um tem o seu estilo e não vou mudar o meu, disse refereciando a abertura proporcionada por Massaro.
Descredenciando compromissos assumidos pelo prefeito interino durante o seu período de licença, Carli não quis saber da comissão composta por veeradores, representantes da Prefeitura e lideranças estudantis que iriam a Maringá em busca de subsídios para a implantação do passe livre na cidade. Não tenho recursos para isso. Por que a Câmara não banca a viagem? questionou. O compromisso foi proposto e assumido pelo prefeito em exercício uma semana antes da volta inesperada do prefeito titular. Há informações que Massaro só ficou sabendo do retorno antecipado de Carli momentos antes de sua chegada na Prefeitura.
Chegou a ser irônico quando questionado sobre o futuro do seu grupo político. Disse que ainda é muito cedo para tratar do assunto. Costura política arrebenta e pode ser remendada. Anteciparam o processo eleitoral. O Pessuti comentou isso comugo na exposição (Expocharolês). Estão querendo que eu seja candidato a deputado estadual?, perguntou com sarcasmo.
Com a saída de Carli Filho do cenário político estadual, patrocinada pela renúncia para fugir da cassação, o grupo carlista perdeu o rumo. Tudo estava sendo preparado paraque Carli Filho pleiteasse a reeleição. O ex-deputado estava ancorando um programa de variedades, mas com fortes pitadas políticas, na 92 FM. Com um formato dirigido ao público jovem, principal fatia do seu eleitorado, entrevistada prefeitos e vereadores da região.
Ainda na entrevista concedida à jornalista Cristina Esteche após a coletiva de terça-feira, o prefeito descarta o nome da vereadora Maria José Mandu Ribas (PSDB) como possível candidata a suceder o espaço que vinha sendo ocupado por seu filho. Agora é momento de retormar as obras no município. Ano que vem é ano que vem e quando você por tudo o que passamos vemos que planejamento não adianta nada. Ainda falta um ano para as convenções. Não adianta ter pressa, pôs fim à conversa política eleitoral.
Barril de pólvora
Aliás, o prefeito Fernando Ribas Carli está sobre um barril de pólvora. O servidores públicos do município vão cruzar os braços durante as tardes dos dias 1º e 2 de julho por falta de reposição salarial que se arrasta desde 2007. Quando o Massaro estava no cargo pela primeira vez entramos no gabinete do prefeito. Ele chamou o contador do município e pediu que fosse feito um estudo sobre o impacto financeiro e que veria qua o percentual de reajuste que seria possível conceder. Agora tudo voltou à estaca zero, disse a presidente do Sindicato dos Servidores Públicos e Professores Municipais, Ediane Gomes de Lima.
A popularidade de Massaro em pouco mais de um vez avançou e tomou proporções que passaram a assustar até mesmo a oposição carlista.
O prefeito interino confessou ser simpatizante do orçamento participativo, uma bandeira que nasceu com o PT; se propôs a visitar bairros e comunidades acompanhado por vereadores da oposição e derrubou barreiras políticas. A mim o que interessa é a união em prol do desenvolvimento de Guarapuava, costumava defender em seus pronunciamentos.