22/08/2023
Guarapuava

Estamos às cegas!

Estamos perdendo o chão e isto não vem do acaso. Nós mesmos estamos produzindo nossa própria enfermidade por não saber lidar com este novo mundo em construção.

Apesar de estarmos às cegas diante do fenômeno da agressão entre o livre pensar e as formas de vidas tradicionais, há muito mal-entendido por aí. O cenário está mais para o ‘confunde-se’ do que para o ‘real entendimento’. Trata-se de uma nova tragédia por não dispormos neste momento de pessoas capazes para reunir/recolher e organizar percepções avulsas e anseios tão distintos e conflitantes para uma nova representatividade. De tempos em tempos o que está acontecendo já aconteceu um dia em caracteres diferentes. Estas transformações foram chamadas de crises, ou seja, espaços temporais de grande tensão que foram atenuadas e compreendidas por grandes lideranças, inexistentes no exato minuto em que escrevo. Em outros tempos foi a liberdade de um povo em escolher seu próprio destino (impossível esquecer-se da Grécia); o nascimento da imprensa e da liberdade religiosa, política e econômica (impossível esquecer-se do iluminismo); o nascimento das coisas ocultas e inconscientes (impossível esquecer-se da psicanálise) e recentemente o nascimento do mundo virtual e do terremoto da horizontalidade das redes sociais. Nossa razão está encalhada pela ausência de um governo de si mesmo, tão defendido por Foucault anos atrás. Às vezes precisamos domar o tempo e a natureza. Parece-me que o pensamento em transformação não pode ser admitido de qualquer jeito, sem ser previamente submetido ao exame de pessoas naturalmente extraordinárias.

Falta-nos um métis, ou seja, um conjunto de medidas mentais que conjugam faro, sagacidade, previsão, leveza de espírito, desenvoltura, atenção constante e principalmente senso de oportunidade.

As transformações precisam passar por um processo de uma nova representação. Alguém que antecipe leituras e que traduza com clareza. Nossa sociedade precisa ser reconstruída para redefinir formas válidas e aceitáveis de existência ou formas mais válidas e aceitáveis naquilo que se refere à sociedade política e não estamos sabendo fazer isto pela absoluta ausência de pessoas que liderem este processo com convicção e que convença outras pessoas para este novo encaminhamento. Usa-se as redes sociais sem discernimento e com isso arrisca-se vidas. O conceito de vida saudável entrou em colapso e a falta de compromisso impera. Morre-se na política, ao invés de nasce-se na política. Redes avulsas e soltas, incontroláveis, embaralharam o mundo. Falta-nos definir defesa/ataque; amigo/inimigo e gastar energia em uma nova representação. Lamentavelmente, o cuidado de si está sendo negligenciado. É preciso considerar que historicamente nestes momentos de grandes convulsões, apesar de tudo, o cuidado de si falou mais alto.

Foucault nos lembra que aprender a cuidar de si significa saber governar-se. Ao considerar isto, deduziu que só poderá ser bom governante da coletividade quem antes tenha aprendido a governar sua própria vida. Todavia, assistimos o império do declínio do governo de si mesmo em nome de uma liberdade muitas vezes imprópria. Assiste-se um confronto entre liberdade de expressão ilimitada versus liberdade de forma de vida ilimitada. Isto tem têm sido danoso e momentaneamente irrecuperável. Em nome do ‘tudo pode’, ‘nada pode’. Eis o desafio para aqueles homens e mulheres autênticos que estamos sentido tanta falta.  

Cristina Esteche

Jornalista

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