22/08/2023




Guarapuava

Lá e cá. Qualquer semelhança é mera coincidência

“Acho importante verificar isto”. Foi assim que duas décadas atrás se iniciou na Itália a famosa e hoje muito discutida Operação Mãos Limpas. Um juiz, entre tantos na Itália, determinadíssimo, chamado Di Pietro, começou investigar um suborno que parecia desprezível. Aqui, da mesma forma, um olhar sobre operações financeiras em um posto de gasolina deu início àquilo que pode transformar nosso país em uma nação mais decente. Aqui, a Operação Lava Jato se arrasta em mais de três anos e corre o risco de ser asfixiada pela classe política. Lá, foram dois anos que praticamente acabou com um regime de política clientelista liderado pelo maior partido da Itália, A Democracia Cristã, a maior legenda da Itália na pós-segunda guerra mundial.

Lá, mais de cinco mil pessoas foram investigadas pela Justiça italiana, sendo centenas de empresários, centenas de parlamentares, uma dúzia de ministros de Estado e quatro ex-primeiros-ministros.

Aqui, os maiores partidos estão entrelaçados e tramam para acabar com o que chamam de judicialização  do país. Leia-se PT, PSDB, PMDB, PP, dentre outros.

Lá, cerca de mil pessoas chegaram a passar algum tempo atrás das grades, presas preventivamente. Aqui, Gilmar Mendes e outros agem para acabar com prisões preventivas e conduções coerticivas.

O ambiente italiano na época era de vacas gordas, uma vez que a crise do petróleo, nos anos 70, era coisa do passado. Com as rédeas soltas dos gastos públicos parecia não faltar dinheiro no país, inclusive para as propinas e o financiamento dos partidos. Percebeu alguma semelhança com o Brasil? Semelhante à Itália aqui tudo podia.

Assim como na Itália de 25 anos atrás, a perpetuação de um mesmo grupo no poder fez com que os cargos públicos fossem sendo ocupados, sem questionamento, pelos seus quadros. Eis o problema.

Do mesmo modo italiano à época, aqui em nosso país o inchaço da coalizão fez com que a máquina pública também tivesse que abrigar mais gente. O amor-próprio de cada um dos partidos tinha que ser satisfeito. Sabemos bem o que significa isto em nosso país. O sonho de todo presidente, de todo governador e todo prefeito é cooptar partidos e parlamentares para servir na Casa Grande.

Os políticos estavam se tornando cada vez mais gananciosos. Quando você pega dinheiro só para o partido é uma coisa. Quando você começa a fazer exigências com o objetivo de ficar com uma parte dos recursos, os pedidos começam a aumentar. Di Pietro acabou virando, naquela época, uma espécie de Nossa Senhora. Aqui Moro virou popstar mito e o único com chances reais de bater Lula em uma prisão ou em uma possível corrida eleitoral.

Lá haviam outdoors com a frase “Di Pietro, prenda todos eles.” Em estádio de futebol faixas comparavam o magistrado italiano ao craque argentino Diego Armando Maradona. “Di Pietro é melhor que Pelé”, dizia.

Aqui Moro cada dia mais é endeusado. Dipietrismo virou uma expressão. Aqui estão inaugurando o Morismo.

Lá na Itália no início de 1993, os parlamentares, assustados com a escalada dos processos e com o inédito descontrole em relação à atuação da magistratura e da polícia, tentaram o que chamariam de uma “saída política” para a crise. O governo então preparou uma lei que, na prática, descriminalizava o financiamento ilegal dos partidos. Alguma relação com a legalização do Caixa 2 em nosso País?

Lá, poderosos presos começaram a cometer suicídio. Aqui não. Infelizmente não estamos à altura da personalidade européia. Os suicídios abalaram a opinião pública italiana. Não era uma atitude de modo algum esperada ou comum entre políticos e empresários antes que aquela onda de mortes ocorresse, entre 1992 e 1993, durante a Operação Mãos Limpas. 

Os políticos e empresários não acreditavam que tinham feito algo fora do normal, algo verdadeiramente criminoso. Então a prisão era um choque psicológico. E aqui? Diferentemente, debocham. É incrível.

Como resultado das primeiras eleições nacionais realizadas depois do auge da Operação Mãos Limpas, o empresário Silvio Berlusconi (aquele terrível) tornou-se primeiro-ministro da Itália. Por Zeus, será que aqui vai acontecer a mesma coisa? Será que teremos que engolir o Dória Berlusconi? Nunca podemos nos esquecer que Berlusconi entrou para a política porque a porta estava aberta. No final das contas, acabou sendo convincente ao se vender como uma alternativa ao antigo sistema político corrupto. 

É público ainda que ao concorrer pela primeira vez Berlusconi ainda apoiava a justiça. Quando foi eleito, propôs a Di Pietro que se tornasse ministro do Interior.  Tentava cooptar os procuradores, provavelmente para tentar evitar ser investigado. Ao ser também investigado de verdade, reagiu. O magnata da mídia iniciou uma campanha contra os procuradores e contra o próprio Di Pietro. Levantaram a suspeita de que Di Pietro teria recebido favores, o empréstimo de um carro, por exemplo, por parte de um empresário e empréstimos sem juros. Di Pietro também foi formalmente acusado de abusar do cargo e teve o seu método de investigação questionado. Tudo somado acabou abandonando a magistratura no final de 1994.

Fora da magistratura, Di Pietro ingressou na política. Em 1998, fundou seu próprio partido, o Itália de Valores. Anos mais tarde, o ex-procurador explicaria sua decisão com o uso de uma metáfora futebolística, dizendo que a vida pública era como uma partida, em que se devia escolher entre jogar ou ser apenas um espectador.

A agremiação de Di Pietro era mais confusa, com gente dos dois lados ideológicos. Era um mix estranho. Não há dúvida que há uma enorme diferença entre ser um magistrado e ser um político. Mais tarde membros do seu partido foram acusados de ter recebido propinas e a casa caiu. Até mesmo seu próprio filho, Di Pietro Junior foi condenado a ressarcir os cofres públicos em cerca de 45 mil euros.

O próprio Di Pietro também foi objeto de acusações. As explicações de Di Pietro nunca foram satisfatórias.

Triste fim de Policarpo Quaresma.
 

Cristina Esteche

Jornalista

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