A procuradora-geral da República, Deborah Duprat, enviou parecer para o Supremo Tribunal Federal (STF) opinando pela procedência da ação em que o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, pede que o regime jurídico das uniões estáveis, previsto no artigo 1.723 do Código Civil, seja aplicado às uniões homoafetivas.
A negativa do caráter familiar à união entre parceiros do mesmo sexo representa uma violência simbólica contra os homossexuais, que referenda o preconceito existente contra eles no meio social, afirma Duprat no parecer. Para ela, a negativa de equiparação é, em si mesma, um estigma, que explicita a desvalorização pelo Estado do modo de ser do homossexual, rebaixando-o à condição de cidadão de 2ª classe.
Na ação, uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 132), instrumento jurídico próprio para evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público, Sérgio Cabral pretende que a equiparação seja feita para beneficiar os funcionários públicos civis do estado.
No parecer, a procuradora-geral da República defende que o Supremo dê ao pedido caráter nacional e declare a obrigatoriedade do reconhecimento, como entidade familiar, da união entre pessoas do mesmo sexo, desde que atendidos os mesmos requisitos exigidos para a constituição da união estável entre homem e mulher. Pretende, ainda, que o Supremo declare que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis estendem-se aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo.
Ela informa, ainda, que o MPF optou, por cautela, pelo ajuizamento de outra ação no mesmo sentido, com o objetivo de assegurar que eventual conclusão de procedência do pedido assuma foro nacional, considerando a importância da questão para a sociedade brasileira. Essa ação foi proposta no último dia dois pela procuradora-geral.
Segundo ela, a união entre pessoas do mesmo sexo é hoje uma realidade fática inegável, no mundo e no Brasil e não há qualquer justificativa aceitável para se impedir que casais homossexuais tenham os mesmos direitos de casais heterossexuais.
Constituição
A procuradora-geral afirma que negar esse direito às uniões homoafetivas está em franca desarmonia com o projeto do constituinte de 88, que pretendeu fundar uma `sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos`, como consta no Preâmbulo da Carta.
Para Duprat, a Constituição proíbe discriminações relacionadas à orientação sexual. De acordo com ela, esse impedimento decorre não apenas do princípio da isonomia, como também do inciso IV do artigo 3º da Carta, que determina a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Duprat ressalta ainda que o Brasil é signatário do Pacto dos Direitos Civis e Políticos da ONU, tratado internacional que consagra o direito à igualdade e proíbe discriminações por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação.
Daí porque, a vedação, pelo Pacto dos Direitos Civis e Políticos, das discriminações motivadas por orientação sexual, representa mais uma razão para que se conclua que a Constituição de 88 também proíbe as mesmas práticas, alerta a procuradora-geral.
Religião
No parecer, Deborah Duprat afirma que as religiões que se opõem à legalização da união entre pessoas do mesmo sexo têm todo o direito de não abençoarem estes laços afetivos, mas que o Estado não pode basear-se no discurso religioso para o exercício do seu poder temporal, sob pena de grave afronta à Constituição.
Ela rechaça argumentos que classificam a homossexualidade como um desvio que deve ser evitado e afirma que esse tipo de discurso é francamente incompatível com o princípio da isonomia e parte de uma pré-compreensão preconceituosa e intolerante, que não encontra qualquer fundamento na Constituição de 88.
Ainda segundo Duprat, o reconhecimento jurídico da união entre pessoas do mesmo sexo não enfraquece a família, mas antes a fortalece, ao proporcionar às relações estáveis afetivas mantidas por homossexuais que são autênticas famílias, do ponto de vista ontológico – a tutela legal de que são merecedoras.
Cotidiano
MPF opina pela equiparação da união homossexual à união estável
- Por Cristina Esteche
- 07/07/2009