22/08/2023
Cotidiano Guarapuava

"Nossa vida é muito sofrida, mas o preconceito é pior", diz mulher sem terra

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Cristina Esteche

Guarapuava – Três produtoras rurais sem terra relatam a difícil vida em acampamentos de sem terra, no município de Pinhão. Simone, dona Maria e dona Reneide estão em Guarapuava participando da mobilização contra a reforma da Previdência e contra a a violência doméstica que atinge, principalmente, as mulheres.

Elas e outros cerca de 300 trabalhadores rurais de vários municípios da região de Guarapuava, principalmente mulheres, estão participando de atos públicos na cidade. A concentração começou às 9h na Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro), com uma formação sobre a proposta de reforma previdenciária. Em seguida, até às 13h30, há panfletagem em vários pontos da cidade e um ato público em frente a agência da Previdência Social. Às 16h, haverá um pronunciamento na manifestação que acontecerá na Praça 9 de Dezembro. Além de sem terras, participam faxinalenses e representantes do Movimento de Pequenos Agricultores, o MPA, de Guarapuava, Pinhão, Goioxim, Candói e Cantagalo. “Estamos em dois ônibus de Pinhão”, conta Simone Pinheiro, 26 anos.

Simone diz que a principal pauta é a proposta do Governo Federal em mudar as regras da previdência. Segundo a agricultora, que é do Movimento de Trabalhadores Sem Terra (MST), a mobilização é nacional e luta para impedir a reforma da Previdência. “Nós mulheres seremos as mais prejudicadas. Temos tripla jornada de trabalho, enquanto produtoras e sem qualquer direito reconhecido”. Para dona Reneide Ribeiro, 45 anos, e vivendo há 10 anos no Acampamento Nova Aliança, em Pinhão, a produtora rural acorda às 5h, faz café, manda os filhos para a escola, ordenha, vai para a lavoura e ainda tem que trabalhar fora para sobreviver. “A nossa vida não é nada fácil e não temos nenhum reconhecimento legal”, desabafa. “Está comprovado que 70% do alimento da cidade é produzido pelo agricultor e ainda o Governo quer aumentar a idade da aposentadoria para 65 anos, para homens e mulheres”, observa.

Dona Maria de Matos, 70 anos, vive há dois anos no acampamento Nova Esperança, também em Pinhão. “A minha vida sempre foi muito sofrida. Criei nove filhos só com o trabalho no campo. Para ir até a sede [em Pinhão] caminhava duas horas e meia a pé”. A ida da família à cidade acontecia uma vez por ano quando sobrava um pouco da produção de feijão, que era vendida. “A gente comprava um sapato e roupa para os filhos”. Como a terra da família era improdutiva, eles plantavam o básico para sobreviver. “Quando a gente ia para a lavoura, não tinha vontade de voltar para casa e quando estava em casa não tinha vontade de ir para a lavoura, porque o caminho era muito difícil”. Um dia, quando os filhos “estavam criados”, a família de dona Maria resolveu ir para o Rio Grande do Sul em busca de emprego, mas não houve adaptação. “Se a vida no campo é sofrida, na cidade é pior”. Houve o retorno para o Pinhão e há dois anos eles são acampados.

Mas não é o sofrimento para sobreviver que mais perturba dona Maria. “É o preconceito da sociedade. A gente chega numa loja, num mercado e as pessoas já nos apontam. Somos taxados de vagabundos, de sem vergonha, quando temos que lutar para sobreviver”, desabafa. “Somos cidadãos que trabalham de sol a sol para sobreviver e ainda mandar comida para a mesa de quem vive na cidade. Eu planto feijão, milhos, verduras, tenha a minha criação”, diz.

Se na cidade as mulheres são violentadas, nos acampamentos essa prática não existe. “Entre nós, somos respeitadas porque temos aulas de formação, temos regras e disciplinas. Somos vítimas da violência da sociedade de fora do nosso ambiente”, diz Simone.

 

 

Cristina Esteche

Jornalista

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