22/08/2023

Nova escravidão!

Passando pela Rua Guaíra, ali bem próximo à esquina da Marechal Floriano Peixoto, indo almoçar num dos restaurantes nas proximidades, me deparo com um grupo de pessoas. Mulheres, homens, crianças. O olhar daquelas pessoas me chamou a atenção. Como havia feito uma matéria a respeito do assunto poucas horas antes percebi que eram eles. Parei para conversar provocando uma reação de um certo temor entre eles. Olhares desconfiados, alguns abaixaram o olhar, outros voltaram a cabeça para outro lado. Poucos deram abertura para uma conversa. Uma das mulheres, a da foto que mais me impressionou quando abri as quatro enviadas pela Polícia Federal, estava ali, ao meu lado. O pulso em carne viva, as mãos inchadas e vermelhas e a expressão de dor estampada no rosto despertaram em mim a vontade ainda maior de conhecer quem são essas pessoas encontradas como escravos numa fazenda em Inácio Martins. Mesmo diante do silêncio de cada um deles, comandado por um senhor de estatura mediana, que dava ordens para que não “abrissem a boca” percebi que eles queriam falar. Mas vi, acima de tudo, que continuam sendo comandados por uma única pessoa: “não falem, vamos almoçar, vocês vão depor,” dizia o homem, sob os olhares cansados de seres humanos marcados pela violência, pela fome.

Continuei a minha caminhada um pouco frustrada por não conseguir conversar com aquelas pessoas para saber como se sentem, se ainda sonham. Hoje, quinta-feira, voltei ao mesmo lugar e lá estavam eles, num grupo bem menor e apenas homens. Iniciei a conversa e percebi que um deles estava disposto a falar. Mais uma vez foi impedido pelos demais. A frustração veio novamente. Claro que pela matéria, mas principalmente, por perder de conhecer quem são essas pessoas, qual o conceito que possuem de cidadania, de direitos, como estão se sentindo “guardados” em quartos de hotel numa cidade que não é sua. Se tem esperança, se acreditam no futuro, se sabem o que é a liberdade de pelo menos poder falar, desabar as suas angústias, os seus medos. Percebi, porém, que fazem parte de uma escravidão cravada numa sequência cronológica, cruel, metódica. Durante horas as imagens de algumas daquelas pessoas desfilaram à minha frente como fantasmas, Passei a pensar e a imaginar quantas iguais a elas estão em condições sub humanas.

Um novo olhar voltou a despertar em mim. Vi a mulher já de idade empurrando o carrinho cheio de papelão, os meninos que ainda tentam fazer malabares com limão no sinaleiro da Avenida Moacir Silvestri, ali na esquina com a Saldanha Marinho, como se tentasse equilibrar a vida e o futuro incerto.

Numa série infindável desses retratos do cotidiano que forma Guarapuava percebi que todos fazemos parte de uma escravidão sobrevivida que se prolifera no uso da tecnologia e na falta dela, nos subterfúgios políticos, no domínio da massa gerado pelo poder centralizado de quem se acha acima de tudo e de todos. Enfim, em mecanismos de codificação programados para encobrir uma nova escravidão.
E as famílias machucadas pelo açoite da capitalismo desumano continuam ali, paradas na calçada em frente ao hotel esperando que alguém lhe dite qual será o próximo, determinando o amanhã.

 

Cristina Esteche

Jornalista

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