domingo, 29 de jun. de 2025
Blog da Cris Guarapuava

O peso invisível da produtividade

Enquanto uns se sacrificam sem reconhecimento, outros se beneficiam da inércia institucional a olhos vistos

Exaustão no trabalho (Foto: Reprodução/Freepik)

Estava aqui pensando, com base em depoimentos de várias pessoas nos mais diversos setores do mercado de trabalho. Fica claríssimo que vivemos em uma era em que a exaustão virou troféu e a disponibilidade constante se vê confundida com competência. A sobrecarga de trabalho, cada vez mais normalizada, tem deixado um rastro silencioso de adoecimento físico, emocional e psíquico. O discurso meritocrático que enaltece quem ‘dá conta de tudo’, mascara um sistema que exige cada vez mais das pessoas. Entretanto, oferece cada vez menos em termos de bem-estar, reconhecimento real e qualidade de vida.

A pressão por resultados imediatos e a aceleração das rotinas profissionais, impulsionadas por tecnologias que conectam o trabalhador 24 horas por dia, criaram um ambiente onde a fronteira entre vida pessoal e profissional encontra-se apagada. Não se trata mais de ‘horas extras’ ocasionais, mas de uma lógica contínua de desgaste. As pausas se tornaram suspeitas; o descanso, um luxo. Você tem carga horária de ‘x’ mas acaba fazendo ‘yz’ para poder dar conta de tudo o que é exigido.

INTOCÁVEIS

Paradoxalmente, em meio a esse cenário de cobrança extrema, há também aqueles que pouco contribuem, mas ainda assim são valorizados. Ocupam espaços de prestígio, blindados por relações de influência, discursos performáticos ou simplesmente por uma cultura organizacional que premia aparências e conveniências. Enquanto alguns adoecem por tentar dar conta de tudo, outros se mantêm intocáveis, mesmo sem entregar quase nada. Essa disparidade escancara a seletividade do reconhecimento e expõe a fragilidade dos critérios de valorização nos ambientes de trabalho.

INJUSTA E CORROSIVA

Essa lógica, além de injusta, é corrosiva. Desmotiva quem se empenha, compromete o espírito coletivo e perpetua uma cultura de desigualdade simbólica. As consequências não são apenas individuais, são institucionais. Organizações que operam sob esse desequilíbrio comprometem sua própria legitimidade e afastam talentos que poderiam, em condições saudáveis, impulsionar transformações positivas.

O mais perverso é que a responsabilização recai sobre o indivíduo: se você não aguenta, é fraco; se adoeceu, é porque não soube “se organizar”. Essa culpabilização ignora o fato de que o problema é estrutural. A naturalização da sobrecarga e a valorização seletiva revelam uma cultura do trabalho que se afastou de qualquer senso ético e passou a operar sob uma lógica de rentabilidade e conveniência a qualquer custo, ainda que o custo seja a saúde e a dignidade das pessoas.

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Cristina Esteche

Jornalista

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