22/08/2023
Cotidiano

Opinião – “Cabeça de crocodilo”

imagem-13038

Guarapuava – O movimento pela redução da taxa de lixo em Guarapuava ganhou definitivamente a comunidade. Na manhã da quinta-feira 28, mais de 2.000 assinaturas foram coletadas durante um protesto público, que reuniu centenas de pessoas com apoio de sindicatos, associações comunitárias, partidos políticos e ONGs, para manifestar a insatisfação do povo contra a decisão tomada pelo prefeito Fernando Ribas Carli.
Acuado, o prefeito não se pronunciou nenhuma vez durante a fase de manifestações. Limitou-se, um dia antes, a patrocinar, com dinheiro público, um comercial na TV Guairacá (Rede Globo) onde joga a culpa pelo aumento nas costas do governo do Estado (veja íntegra do comercial ao lado). Fora isso, Carli determinou que sua assessoria falasse e o que se viu foi uma sucessão de “não sei”, “não há nada a fazer”, uma estratégia pastelona mais ao estilo de “passem a régua”, ou “fujam, o piloto sumiu”.
Na verdade, sem estratégia nenhuma, o “staf” fernandista viu em desespero até que proporções pode chegar uma atitude anti-popular. No início do ano, quando os novos carnês estavam prontos para chegar às residências, a Assessoria de Imprensa da Prefeitura limitou-se a uma nota lacônica anunciando que o IPTU não sofreu nenhum aumento. O anúncio da Assessoria chamou ainda mais atenção, pois era o óbvio que o IPTU não teria aumento, ou se tivesse, estaria dentro de patamares aceitáveis à economia nacional, de inflação baixa. Mas Carli silenciou completamente sobre a taxa de lixo, que, descobrir-se-ia depois, sofreu uma elevação estratosférica, até a casa dos 300%.
O pior estava para acontecer. Com a mudança de critérios (a base de cálculo antiga era o consumo de água; agora, a metragem da área construída de cada propriedade), uma verdadeira enxurrada de reclamações desnudou que a população de baixa renda foi a que arcou com os valores mais altos. Se o IPTU era considerado um “imposto justo”, pois o proprietário paga de acordo com o tamanho de sua área, a taxa de lixo tornou-se uma injustiça quase generalizada. Mesmo aposentados que têm direito à isenção apareceram com carnês onde o valor da taxa de lixo saltava nas alturas.

No silêncio, a dúvida

Se má-fé ou erro por parte da Prefeitura, até agora a população de Guarapuava ficou à mercê de explicações oficiais. A Procuradoria Geral do Município, responsável pelas questões jurídicas, resumiu seu parecer a uma afirmativa desanimadora para os contribuintes. “Não há nada a fazer”. A Assessoria de Imprensa, que lançou o novo slogan do atual mandato de Carli (“Cada vez mais você”) com a timidez de um estreante em programa de calouro, ficou abduzida entre um comercial de tevê, onde fica o dito pelo não-dito, e o silêncio sepulcral que acompanha as hostes fernandistas.
Imaginava o contribuinte que poderia se agarrar na Defensoria do Consumidor, o PROCON. Ledo engano. O funcionário que cuida da Procuradoria é ex-assessor da Secretaria Municipal da Administração. Sua resposta aos reclamantes: “Não podemos fazer nada”.
Blindada entre o silêncio e a imobilidade, a Prefeitura parece estar dizendo à população: temos a maioria na Câmara, aprovamos o projeto, lançamos o aumento junto com o carnê do IPTU e enterramos a cabeça na terra. Deixem que gritem, esperneiem, porque temos amparo jurídico e vereadores que nos dão sustentação.
Numa sociedade de Justiça forte e atuante, até que uma análise como essa poderia se tornar visionária ou no mínimo descomedida. Porém, é assim que a população se sentia até quinta-feira 28, quando a Praça 9 de Dezembro, berço da História de Guarapuava, deu vazão a vozes que ecoam, ainda que inibidas, nos mais longínquos cantos deste município de 3.300 quilômetros quadrados de extensão.
Um abaixo-assinado, inicialmente com dois milhares de assinantes e que se multiplica pela internet, foi entregue pessoalmente ao Ministério Público, solicitando providências no campo júridico. Na Câmara Municipal, além de Antenor Gomes de Lima (PT), que foi um dos líderes da manifestação pública, o vereador Nélio Gomes da Costa (PSDB) antecipou que irá recorrer a algum dispositivo legislativo, propondo ao prefeito Fernando Ribas Carli para enviar outro projeto, com novos valores. Outros vereadores sinalizam que podem acompanhar essa iniciativa.
Com a adesão popular, o movimento deixou de ter cores partidárias e levou às ruas associações de moradores, ONGs, sindicatos e pessoas anônimas que compareceram ao Calçadão levando carnês do IPTU e da taxa de lixo, para pedir auxílio. Para algumas pessoas, um valor de R$ 93,00 pode não parecer muito. Mas para quem ganha salário-mínimo e ainda tem as despesas extras de começo de ano (material escolar, uniforme, IPVA e outras), é muito dinheiro. E nessa faixa está a grande maioria da população.
Não bastasse o aumento na taxa de lixo, esta mesma população, e na mesma época da chegada do carnê do IPTU, recebeu em suas casas a propaganda eleitoral do filho caçula do prefeito Fernando Ribas Carli. Um cartão de Ano Novo, contendo na capa uma frase desejando tudo B pra você, fazendo um trocadilho com a primeira letra do nome do menino.
Ao receber o carnê e o cartão do caçula do prefeito, a população não pensou em outra coisa: B é de bom para quem? Se fosse para o contribuinte, como justificar o aumento na taxa de lixo? O B pode ser de qualquer coisa, menos de bondade ou benefício.

Texto publicado originalmente no jornal Tribuna Regional do Centro-Oeste de sábado (30)

Foto: João Maria de Melo – mesmo aposentado, de isento foi a R$ 73 (Nagel Coelho/Tribuna Regional)

Cristina Esteche

Jornalista

Relacionadas

A missão da RSN é produzir informações e análises jornalísticas com credibilidade, transparência, qualidade e rapidez, seguindo princípios editoriais de independência, senso crítico, pluralismo e apartidarismo. Além disso, busca contribuir para fortalecer a democracia e conscientizar a cidadania.