Com a expansão de casos de covid-19 pelo mundo, cientistas de todo o planeta correm contra o tempo para encontrar uma vacina que seja eficaz e segura para a população. O Paraná também entrou nessa corrida e está em fase de produção. A técnica escolhida utiliza o polímero bacteriano polihidroxibutirato, também conhecido como PHB, e se der um resultado positivo em animais, poderá significar o surgimento de um antídoto contra a doença.
De acordo com o professor e pesquisador do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da UFPR, Marcelo Müller, várias bactérias produzem esse polímero. “Ele contém algumas propriedades medicinais interessantes, que nós chamamos de biocompatíveis. Um material utilizado para produzir cápsulas, fios de sutura, próteses e o nosso organismo com o tempo consegue absorver esse material, sem que ele gere algum dano”.
A explicação foi dada ao programa Assembleia Entrevista, da TV Assembleia que foi ao ar essa semana, logo após a sessão plenária. Conforme o professor, a ideia dos pesquisadores paranaenses foi utilizar esse material, no momento em que se busca tanto uma vacina, como um veículo para carregar o antígeno viral para dentro do organismo humano.
NANOPARTÍCULAS
O objetivo é produzir nanopartículas, que são em escalas similares ao tamanho do vírus e colocar proteínas do vírus sobre essas partículas. “Revestir essas partículas com proteínas do vírus e fazer com que nosso sistema imunológico reconheça essas partículas como um, digamos, falso vírus”.
Segundo Müller, o processo tem se mostrado seguro. O que quer dizer que o indivíduo não corre o risco de desenvolver a doença, já que não é um vírus atenuado. A economia na produção de uma vacina foi outro ponto levantado pelo pesquisador. Tanto pela estrutura já existente de um laboratório, como pelo fato de que não é um processo para produção de adenovírus (casos das vacinas em testes inclusive no Brasil: a chinesa e a britânica). “Assim, pelos experimentos feitos até agora, ficou demonstrado que essa tecnologia é viável”.
A DIFERENÇA COM OUTRAS VACINAS
Nas outras duas vacinas, os cientistas usam os adenovírus, que não causam a incidência da doença e fazem com que esse vírus comece a mostrar essa proteína na superfície. Assim, o sistema imune do indivíduo ataca esse vírus, porque o reconhece como estranho. E, se tudo funcionar bem, ele começa a produzir anticorpos na superfície.
De acordo com o pesquisador, no caso da pesquisa paranaense, o processo é parecido.
A diferença é que por aqui, os cientistas não vão trabalhar com o vírus. Porém, com pequenas partículas fabricadas em laboratório e que possuem proteínas em sua superfície.
Mas o mecanismo de como o sistema imune do indivíduo vai reconhecer e produzir os anticorpos tem forma bastante similar. “A probabilidade de dar certo, eu diria que é de boa pra muito boa”.
Provavelmente as respostas de produção de anticorpos virão após a introdução nos animais em laboratório. Entretanto, a grande pergunta é se esses anticorpos serão neutralizantes. Ou seja, se vão impedir que o vírus desencadeie a doença. Por exemplo, aquele indivíduo que entrou em contato com a Sars Cov-2, e se curou, provavelmente já tem anticorpos. Isso significa que, quando esse indivíduo entra em contato com o vírus novamente, esses anticorpos conseguem bloquear a situação.
“Esses indivíduos não terão os efeitos graves provocados pelo vírus, porque os anticorpos vão impedir que o vírus se replique dentro do organismo. É o que se pretende com a vacina. Porém, essa é a grande questão, que só pode ser respondida com os testes pré-clínicos e clínicos”.
POR QUE A VACINA DEMORA?
As estratégias podem funcionar muito bem em laboratório, mas seriam os anticorpos suficientes do ponto de vista neutralizante? É o que tentam responder os pesquisadores. De acordo com Marcelo Müller, às vezes, é necessário recuar e entender o porquê de alguns testes não se mostrarem efetivos e produzir novos antígenos para tentar melhorar essa resposta.
E ela não surge de uma hora para outra. Leva tempo. “O indivíduo toma uma vacina e é preciso esperar um ano para que tome uma segunda dose. Ou, ele toma a vacina e o efeito é permanente. Ou seja, continua produzindo anticorpos de forma vitalícia. Isso é o que os cientistas verificam no momento dos testes”.
Assim, não se descarta, inclusive, que até as vacinas que estão mais adiantadas, levem um tempo maior para entrar no mercado. Além de poder ter reforço anual, porque o vírus pode sofrer mutação, é preciso levar em conta que após a resposta da efetividade da vacina, vem o quesito segurança.
“Os pesquisadores precisam saber se após a administração dessas partículas nos animais, se eles terão alguma reação alérgica ou inflamatória. Por isso, os dois testes são realizados em paralelo”.
NO PARANÁ
No caso do Paraná, se os profissionais conseguirem concluir que essa tecnologia é efetiva e segura, deverão protocolar um pedido de teste clínico. A partir daí são recrutados os pacientes/indivíduos e começa a avaliação em humanos. O teste clínico de nível 1 é feito com algumas dezenas de pacientes. No nível 2, já são centenas e se trabalha com a divisão por grupos. De preferência, um grupo placebo, outro que poderá estar doente (que seria o ideal), e um grupo de indivíduos saudáveis e que nunca tenham entrado em contato com o vírus. Além disso, que não apresente nenhum problema de saúde.
Em seguida, é possível fazer o teste clínico de nível 3, que é com milhares de pacientes e em várias Regiões do mundo. Exatamente o que está acontecendo agora com as vacinas chinesa e a de Oxford, na Inglaterra. A primeira em parceria com o Instituto Butantã e a britânica com o Governo Federal. O Brasil foi escolhido exatamente por causa do grande número de casos registrados.
“Provavelmente, essas vacinas devam chegar ao mercado até o fim deste ano ou no início do ano que vem, pois os resultados são bem animadores”.
PESQUISAS AVANÇADAS TAMBÉM NA UFPR
No laboratório da UFPR já ocorreram testes de algumas partículas com soro de pacientes positivos para a covid-19. E o resultado também foi animador. Os pesquisadores conseguiram detectar anticorpos que ‘ligaram’ nessas partículas. Assim, segundo o pesquisador, pode-se deduzir com isso que no soro desses indivíduos, os anticorpos reconheceram o antígeno que está sendo produzido. “Na prática, isso significa que há uma grande possibilidade de imunizar e gerar anticorpos que podem ser benéficos para combater a infecção viral”.
Os testes pré-clínicos são feitos em animais de experimentação. É nessa fase que se encontra o trabalho na UFPR. “Camundongos, macacos, coelhos, mas normalmente utilizamos camundongos e algum tipo de primata para os testes. O que deve ocorrer nos próximos dias”. Já em agosto deve ser feito o experimento-piloto para observar a reação dos camundongos. E em setembro os cientistas pretendem lançar o grande experimento.
Mas neste teste pré-clínico, já foi constatada efetividade e segurança. A resposta imunológica, a chamada resposta moral e a resposta celular para saber se a resposta imunológica é persistente, que é o que mais interessa. De acordo com o professor Marcelo Müller, se trata de um grande desafio. Tanto que foram selecionados vários especialistas de diversas áreas para auxiliar nesse trabalho.
Por exemplo, eu trabalho com a produção de proteínas e desse polímero para fabricação das nanopartículas, em parceria com os profissionais da área de imunologia, que já atuam nesse segmento. Uma equipe multidisciplinar, que sempre traz diferentes enfoques, o que contribui muito para chegarmos mais longe.
Conforme o professor, do ponto de vista experimental, não é algo tão complexo. Isso porque juntar uma proteína e uma partícula, injetá-las em um animal e aguardar para ver o que vai acontecer, é comum nos projetos desenvolvidos no laboratório. Em alguns casos, são muito mais complexos do ponto de vista científico, mas que não despertam tanto interesse do público. Mas desta vez esse interesse é justificável. Afinal o mundo está diante de uma pandemia sem precedentes.
A CIÊNCIA COMO ALIADA DO HOMEM
Por isso, o professor Marcelo Müller fez questão de ressaltar a importância de se ter a ciência como principal aliada do homem.
Se olharmos para o lado, até essa nossa entrevista, ela só é possível graças à ciência. Telefone celular, medicamentos, vacinas, equipamentos médicos como os próprios respiradores, tudo passa pela ciência. Infelizmente, estamos aprendendo a lição da forma mais dura. Justamente quando o investimento em ciência no país é colocado em segundo plano. Assim como a educação, ciência é vista como gasto público. Uma sociedade mais educada é capaz de gerar soluções para seus problemas. E para toda a sociedade. Então, na verdade, é um benefício. Se tivéssemos mais investimentos, seriam muitas as vantagens inclusive econômicas, pois poderíamos produzir mais e até exportar essa tecnologia, em vez de importar, o que hoje nos coloca numa posição bem dependente.
Ele citou exemplos de pesquisadores de vários estados, que relatam demora de até um mês para receber um reagente. O que acaba atrasando os resultados da pesquisa brasileira. Porém, o professor acredita que após essa pandemia, os governantes vão repensar esses investimentos na ciência como um todo.
“E criar programas para que nos tornemos menos dependentes da tecnologia vinda de fora. Que sem uma vacina será difícil voltar à rotina de vida normal. Pelo menos, num curto espaço de tempo. E esse ‘curto espaço’ foi mudando ao longo da pandemia”.
NOVA FORMA DE CONVIVER
De acordo com Müller, no começo se falava em algumas semanas, depois meses e agora já se fala até em anos. “Ou seja, essa nova forma de conviver, evitando aglomerações, praticando o isolamento social deve durar até que surja a primeira vacina, o que deve ocorrer até o resto desse ano. E, ainda assim, será necessário se pensar numa forma de distribuição. É improvável que uma única empresa consiga distribuir as doses para o mundo todo”.
Por isso – diz o professor – será preciso um período de adaptação para saber que profissionais de saúde, de serviços essenciais e grupos de risco terão prioridade.
Teremos que ter muita paciência. Não dá para imaginar que a vacina seja um passe de mágica. E tomar o cuidado para entender que pandemias podem voltar a acontecer, até pelo nosso estilo de vida. Parece que a epidemia de coronavírus foi aumentando de intensidade. Se surgir outra pandemia, ainda mais assustadora, creio que a ciência, nesse caso, já vai ter acumulado experiências e estará mais preparada e credenciada para o enfrentamento. Incluindo, além das vacinas, o desenvolvimento de kits diagnósticos e equipamentos médicos. E aí sim, poder dar respostas mais rápidas e efetivas para a população. É aí que entra a importância da nossa pesquisa.
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