Enquanto o governo federal anuncia superávit e estados celebram arrecadações recordes, os municípios brasileiros vivem, em silêncio e sem glamour, uma crise crônica e estrutural. Com orçamentos sufocados por obrigações constitucionais, encargos previdenciários e o peso crescente dos precatórios, prefeitos tentam administrar o inadministrável. Ou seja: manter serviços essenciais com receitas amarradas e repasses que mal cobrem a folha de pagamento.
Nesse cenário, a PEC 66/2023, que tramita no Congresso Nacional, propõe um respiro: limita o percentual da receita destinado ao pagamento de precatórios, troca o indexador da dívida da Selic para o IPCA. E ainda autoriza a extensão da reforma da Previdência da União aos municípios. Mas a pergunta que não deveria calar, e acho que poucos fazem, é: a PEC 66 resolve a crise municipal ou apenas empurra o problema com a barriga?
ALÍVIO EMERGENCIAL
A proposta, neste momento, representa sim um alívio emergencial importante. Afinal, pode gerar economia significativa e dar fôlego às gestões locais. Mas o ponto central é que ela não enfrenta a raiz do problema. Ou seja: o desequilíbrio do pacto federativo. A União concentra receitas, enquanto os municípios acumulam responsabilidades sem autonomia real de arrecadação.
No meu entendimento, a PEC é paliativa, e precisa ser vista como tal. É um passo necessário, mas insuficiente diante do colapso silencioso vivido pelos municípios. O Brasil precisa de uma reforma federativa de verdade. Uma reforma que redistribua poder, receitas e obrigações com mais justiça e racionalidade.
IRRESISTÍVEL
Do ponto de vista dos prefeitos, a proposta parece irresistível. Trata-se de de comprar tempo. E tempo, hoje, é o ativo mais escasso na administração pública municipal, com boa parte dos municípios dependendo do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) para sobreviver. E é bom lembrar que sempre veio com uma queda de até 13% nos repasses em 2023. O que me faz crer que a capacidade de investimento virou miragem. Serviços como saúde e educação estão em risco. Não por má gestão, mas por um modelo federativo desequilibrado. Há concentração de recursos na União e responsabilidades nos entes mais frágeis da federação.
A PEC 66, nesse contexto, é ao mesmo tempo, paliativo e sintoma. Paliativo porque alivia a dor sem curar a doença. Sintoma porque escancara o que o sistema político nacional se recusa a enfrentar: o colapso do pacto federativo. E nesse contexto, a pergunta política de fundo é: até quando o colapso federativo vai se tratado como um problema de fluxo de caixa? Até quando haverá tolerância a um modelo que exige dos prefeitos obrigações constitucionais com receitas condicionadas ao humor político de Brasília?
DEBATE PRECISA SER MAIOR
A Proposta pode e deve ser aprovada, com as devidas salvaguardas. Mas ela precisa ser vista como o início de um debate maior, mais corajoso e urgente. Me refiro o de uma reforma federativa que devolva aos municípios não apenas responsabilidade, mas também poder de arrecadação e autonomia decisória. Porque sem isso, problema vai ser empurrado, mais uma vez, para o próximo mandato. E, como sempre, quem paga a conta é o cidadão.
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