22/08/2023
Guarapuava

Qual é o tipo de política capaz de nos tirar desse impasse?

Faz tempo que vivemos momentos de revoltas, desgostos e levantes contra o sistema político e a todos que o servem, enquanto objetos ou enquanto sujeitos da dominação. Mesmo assim e apesar disto, em quase todos os ambientes, do mais graduado ao menos graduado, há conversas e discussões que convergem na tese de que ‘diante do quadro do tempo presente’ e ‘diante da crise que não se encerra’ precisamos nos adequar, nos ajustar e compreender nossa posição coadjuvante para vivermos um pouco mais ou para sobreviver. Assim, involuntariamente legitimamos o discurso de que temos que nos conformar com cortes, fim de alguns direitos, diminuição de toda e qualquer expectativa de um mundo melhor que este. Chamamos isto de ‘a banalização’ da crise. Todavia, sabe-se que para o capitalismo vigente, transformar tudo em ato natural, inclusive a crise, a dívida e os juros, é mais uma estratégia para frear  nossa fé em um mundo normal, razoável, feito para os homens e mulheres. Assim, para o discurso oficial que tem contaminado a muitos, a crise é como a dívida, não pode deixar de existir, pois do contrário o capitalismo e seus operadores poderiam entrar em colapso.

Ora, a crise interessa ao poder constituído e, ao que parece, não passará, transformando-se dia após dia  em práticas usuais deste e todo governo. Ela [ a crise ] ficará entre nós, transfigurada em verdade, sacralizada, exigindo de cada um de nós um projeto individual de austeridade e de aceitação de que não há outra saída, senão nos encolhermos. Neste ritual, haverá sempre mais um corte a fazer, mais uma gordura a queimar. O que não mudará e, ao que parece, se perpetuará, é apenas uma coisa, no dizer de Safatle: a defesa e a manutenção da elite patrimonial e os rendimentos da oligarquia financeira. Esta sim, imunizada pelos atuais agentes políticos que continuam gastando energia em interesses nitidamente privados.  

A austeridade sempre foi a forma de restringir a vida de muitos para garantir o gozo de poucos. Ao submetermos a isto, estaremos tal qual uma servidão voluntária fazendo o buraco para nossas próprias covas, bem antes do tempo.

A grande vitória deste discurso que tem se transformado em fetiche ou no canto da sereia e atinge a raiz capilar de muitos homens e muitas mulheres é que, infelizmente, os piores tenham perdido o temor e reproduzem astutamente o veneno do conformismo e os melhores tenham perdido a esperança e a ousadia de outros tempos.

Não estaria na hora de apostarmos, mesmo que com poucas chances, em caminhos alternativos? Não estaria na hora de darmos um voto de confiança em projetos coletivos e individuais que resistem ao entregar-se e ao submeter-se a estes que estão acostumados a remar a mesma canoa no mesmo rio ? 

Cristina Esteche

Jornalista

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